domingo, 24 de dezembro de 2006

Desligue o celular!

Desligue o celular!
Não existe nada mais deselegante e brega que um telefone interrompendo uma reunião,
Atropelando uma boa conversa,
Te tirando de sintonia do lugar onde você se encontra.
Alguém já afirmou que celular é uma forma de você estar em todos os lugares sem estar em nenhum.
Sintonize-se!
Muitos tem saído da sala de jantar,
Da sala de amigos,
Da sala de concertos,
Da sala de aconselhamento,
Para a sala virtual.

O celular te sintoniza em tudo, menos no essencial.
Desligue o celular para ter um tempo só seu,
Para conversar com seu filho,
Para rir,
Para ouvir música,
Para assistir um bom filme,
Para fazer sexo...arghhh!!

Desligue-se!
Se dê o privilegio de não estar disponível para outros,
Disponibilize-se para si mesmo!
Use o tempo a seu favor.
Use o celular como ajudante, não como rival.

Ninguém vai morrer nesta hora,
Se morrer também não foi pelo fato de seu celular estar desligado.
A mente não contabiliza estas coisas nem se orienta pelo celular.

Deslig... oops
Alguém está ai?
Alô!!!!

Confissões

Não gosto de confissões
Porque confissões são meias-verdades.
Gostamos de contar apenas a metade daquilo que somos e fizemos.
Pior ainda,
Confessamos para atenuar a pena,
Para manipular aquele que a ouve,
Fazendo assim nos tornamos ainda pior no nosso mal.
Não curamos nossa ferida,
Antes a tornamos mais maligna.
Não gosto de confessar,
Porque confissão me vulnerabiliza
Confissão me humilha
Me faz entrar em contacto com meu mal por inteiro.
Por isto não gosto de confissões,
Fazem mal quando confessado pela metade.
Me causam angústia quando as confesso por inteiro.
Confissão quebra meu ego
Me obriga a entrar em contacto com minhas sombras,
Me faz perceber o meu mal na sua inteireza.
Assim, minhas sombras, escudos, barricadas e defesas – pulverizam.
Eu sei que o mal é como fungo e mofo,
Desenvolve-se melhor no escuro,
Por isto odeiam a luminosidade.
Mas estes males não me expõem,
Escondê-los me dá uma certa (falsa) sensação de segurança.
Minha reputação não é manchada
Consigo estabelecer o beneficio da dúvida.
Eu sei que o mal vai se aprofundar em mim,
Mas não faz mal.
Prefiro o mal, desde que ele permaneça nas penumbras e porões escuros da minha alma.
Prefiro a morte...

Bola de Futebol

Chegara como sempre em boa hora.
Era natal e o presente não poderia ser melhor.
Os irmãos estavam eufóricos em mostrar o rico presente aos amigos.
No lote baldio, descamisados e descalços,
Iam juntando meninos de todos os lados.
Cada um falava de seu presente,
Hora de gabarolice.
Qual presente mexia mais com o imaginário de menino simples?
Uma bola de capotão!
De couro, resistente aos espinhos, difícil de furar,
toda bem desenhada, fora feita para durar muito.
Por isto era cara.
Era mantida debaixo do braço como um troféu, orgulho pessoal.
Pouco a pouco vão se formando os times,
Para estrear a bola nova:
Zé Luiz, Wesley, Saulo, Eulin,
Caboré, Nego Viola, Nego Edinam.
Os que jogavam melhor eram escolhidos primeiro;
Os piores, se sobravam vagas.
Ou então algum lugar no gol – posição desprezada!
Ou na lateral direita e esquerda.
Os donos da bola têm de jogar,
Em qual posição devem ficar?
“Se não jogar não dou a bola!”
Naquele terreno de chão batido,
O troféu é colocado como sacrifício a ser oferecido no altar,
Dos pés sujos com alguma habilidade,
E nos pés dos pernas-de-pau.
O jogo, como sempre é animado:
“chuta aqui!”, “prá mim, prá mim!”, “marca o gol!”.
No meio da confusão um desastrado chuta sem direção.
A bola sem rumo cai no mato!
“Furou!”, grita alguém zombeteiramente.
“Isto não é de sua conta! A bola é minha!”.
E quando a bola é trazida,
De fato estava furada...
Que desalento!
O natal perdera a sua mágica, lá se fora o encantamento!
Um espinho caprichosamente a furara.
Nunca um presente fora tão significativo,
E jamais se viu outro cujo encantamento se foi de forma tão trágica e rápida.

Barulhos

Ouço sons por todos os lados,
Esqueci o que é silêncio.
Creio que o silêncio tem o poder de provocar sons, e eu me apavoro quando sinto os sons do silêncio.
Seria possível um pouco de silêncio?
Um lugar para ouvir o barulho da minha alma?
Me aterroriza pensar na possibilidade de viver sem sons a me perturbar.
Eles me distraem
E me fazem esquecer que preciso me aquietar.
Aquietar?
Quanto tempo faz que não conjugo este verbo na primeira pessoa?
Mas quem realmente acredita que isto seja importante?...
Vivo num mundo de barulhos, ouço as buzinas da impaciência,
O ronco dos motores da minha intransigência,
Os sinais repetitivos de campainhas que não são mais lembradas na minha consciência.
Estes barulhos persistentes são os meus melhores amigos (inimigos),
Revelam meu desejo de não parar, não sorrir, não pensar, não orar.
Torno-me repetitivo tanto quanto os meus barulhos,
E vivo no automático da falta de sentido.
No controle remoto de minha alma.
Assim vivo gritando sem falar,
Fazendo barulhos sem comunicar
Apenas reproduzindo sons.
Meu barulho não diz nada, mas eu quero continuar a fazê-los.
Quem sabe eles podem me livrar dos ecos vazios
E barulhentos do silêncio de minha alma?

Amores confusos

Não entendo o amor, muito menos amantes
Quem ama se perde no afã de amar
Por isto amantes são tão confusos,
A nobreza do amor se espalha no ar.

Existe o que ama e ao outro despreza
Desdenha, esnoba e até menospreza
Depois se assusta quando o outro não vem
Este tipo de amor não fascina ninguém.

Existe o que ama e ao outro maltrata,
Machuca, espanta, fere, destrói.
Um dia o outro resolve partir
Com este tipo de amor não dá prá seguir.

Existe o que ama, mas nunca revela
O que sente no peito e queima na alma
Amor oculto nunca prospera
Com este tipo de amor, se cansa a espera.

Existe o que ama de forma confusa,
Trata diferentes como se fossem iguais.
Não percebe que o amor tem certos segredos,
Quem só mesmo quem ama vai decifrar.

Amor não é uma arte sempre entendida.
Exige nobreza, sensibilidade e graça.
Feliz o que ama, o confuso e ilógico,
Mas se faz entender na linguagem exigida.

Amor Próprio

Ninguém gosta mais de mim que eu mesmo,
Ou pelo menos, ninguém poderia gostar mais.
Sempre encontro pessoas querendo construir seu universo em torno dos outros,
Crêem que seu problema é a ausência de alguém,
A falta de companheiro,
A solidão.
“Se ao menos tivessem alguém”... seus problemas seriam resolvidos.
No entanto, ninguém resolve meus dilemas,
Cada um possui seus próprios enigmas,
Seu núcleo de complexos,
Seus símbolos, mitos, sonhos,
E na angustia por resolvê-los buscam individualmente, soluções.
Todos estão preocupados em decifrar sua própria pirâmide existencial.
Por isto, não estão com tempo disponível para gastar seu tempo resolvendo os dos outros.
Não dá para transferir minha conflitividade para os outros.
Eu sou a minha decisão...
Eu mesmo preciso identificar e tratar minha alma só e carente.
Minha existência tão emaranhada e confusa precisa de diretriz.
Ninguém, além de mim mesmo, me suporta,
E muitas vezes nem eu mesmo me suporto.
Não posso construir meus sonhos em torno do outro,
Preciso desistir do outro para amar.
O relacionamento só é ideal quando não é necessário para minha sobrevivência.
Assim não preciso manipular o outro para chamar sua atenção,
Não o sufoco com meus exageros,
Só assim não preciso mendigar amor,
Nem idealizar o outro,
E não construo minha vida em torno de alguém.
Não me vicio no outro.
Para me relacionar com o outro, preciso me relacionar bem comigo mesmo,
Entender minha solidão, meus temores, minha dor.
Não posso usar o outro para me resolver.
Sou livre para amar o ser amado, quando não preciso usá-lo como escudo contra minha própria solidão.
Abraço assim, minha infinita sede de viver,
E apenas assim, consigo simplesmente ser para mim e para os outros.

Abusos

Sofremos e causamos abusos.
Existem aqueles que nos procuram para fugir do abuso,
E outros que nos procuram porque deles abusamos.
Há os que reclamam da dor, mas não vivem sem ela,
Outros que pelo abuso e o uso tornam-se dependentes da dor.
Os abusados também abusam
Nem sempre quem reclama do abuso quer se livrar dele
Por isto insistem em escolhas erradas,
Pactos comprometedores,
Alianças ferinas.
Desejo de morte?
Instinto de vida?
A alma correndo inconscientemente para a guilhotina...
Vêem o mal e ainda assim passam adiante
E ainda insistem sobre a inevitabilidade do mal.
É a aceitação do ser que abusa e se deixa abusar.
Sina...
Meu Deus!
Por que chora a minha alma e a dor insiste?
Por que não evito aquilo que me machuca?
Por que me violento e me deixo violentar?
Por que me permito isto?
O que se esconde detrás deste tropismo atroz do abuso?
Por que abuso tanto de mim mesmo?

A preguiça

O preguiçoso trabalha mais...
Ele procura não fazer, tenta não fazer, enrola para não fazer,
Procrastina, diz que não vai dar...
Mas o trabalho precisa ser feito,
E ele sempre trabalha mais.
Trabalha porque o serviço lhe é exigido,
Trabalha porque precisa arrumar uma enorme quantidade de argumentos para justificar sua ineficiência e incompetência.
Trabalha mais porque faz mal feito,
E quando se faz mal feito precisa desmanchar e fazer de novo.
A preguiça e ineficiência são irmãs.
Trabalha mais porque não consegue descansar antes do dever cumprido.
Trabalha mais porque trabalha sem inteligência:
Dói pensar, dói fazer, dói amar, dói comer, dói viver.
Trabalha mais porque a frouxidão faz cair o teto,
Porque torna sua existência muito mais pesada.
O preguiçoso acha “trabalhoso” levar a comida à boca.
Tem que correr atrás no inverno quando deveria ter feito reservas no verão, o tempo certo.
Aqui trabalha mais, porque precisa trabalhar na chuva fria, no vento frio, no desconforto.
O preguiçoso está sempre correndo atrás do prejuízo,
Perde boas oportunidades e tem que viver atrás de chances ruins,
Porque não sabe aproveitar as boas oportunidades que surgem.
O preguiçoso trabalha mais porque não se previne,
“dá muito trabalho...”
Existe a preguiça relacionada a atividades, tarefas que precisam ser feitas,
Mas existe ainda um tipo diferenciado de preguiça:
Preguiça existencial: dói viver!
Preguiça mental: dói pensar!
Preguiça espiritual: dói amar a Deus.
Quem encontra dificuldade para viver, aumenta o peso de sua existência.
De fato, o preguiçoso, em todas circunstâncias, sempre trabalha mais.

A moça da vitrine

Aquela moça da vitrine vende fantasias,
Vende o que nunca comprou,
Vende pipas estilizadas, roupas de griffes, sapatos caros,
Vende castelos de areia, vende mágica.
Mas o que será que realmente a inspira?
O que ela gostaria de ter e não tem?
O que sonha em comprar e não está na vitrine?
O que faria sentido a esta moça que vende sonhos?
Roupas caras? Sensualidade? Perfumes valiosos?
Seria possível encontrar o que busca nas mercadorias que vende?
“não vendemos perfumes, vendemos beleza”...
Por que ela vende o que não pode ser comprado e compra o que não precisa ter?
Por que tantos compram sem ter dinheiro coisas que não precisam,
Para impressionar pessoas que elas não gostam?
Talvez porque a mercadoria essencial,
O valor vital,
Não se encontra a venda.
Por isto pessoas compram sem precisar,
Na vã e fútil idéia de encontrarem o que buscam.
A moça da vitrine vende fantasias,
Fala de coisas que desconhece
Mas ela também compra fantasias,
Vive de sonhos que nem imagina...

Família

Existe a familia de que se fala,
E a familia que se experimenta.
Nenhum lugar é tão carregado de ambigüidades e contradições.
Ao mesmo tempo, lugar de cura e ambiente de feridas,
Espaço de acolhimento e rejeição,
Lugar de aceitação e culpa.
“Família, na melhor das hipóteses só serve para enriquecer a industria farmacêutica e dar emprego aos psiquiatras”.
Familia tem enorme potencial para a vida e a morte.
Ali se desenvolve a personalidade,
Se molda o caráter,
Cria-se os fundamentos!
Ali também se revelam a fragilidade, dores, acusações, culpas...
Nichos de farsas e desentendimentos,
Acobertados para manter a reputação e a falsa honradez.
De gente elegante, de caráter podre.
De gente Moralista, de moral duvidosa.
De religiosos farisaicos, com religiosidade dúbia.
Vícios e cacuetes históricos se perpetuam
E tem o poder de procriar.
Como uma maldição hereditária.
Condicionamentos circunstantes,
Gestos manipulativos,
Afetividade comprometida,
Fútil procedimento legado pelos nossos pais.
Chocadeira reprodutora de bactérias contagiantes.
Geradora de novas neuroses
Geneticamente antigas.
É nesta familia onde a dor se expõe,
Na qual as defesas e mascaras não funcionam,
Onde os segredos desaparecem.
Neste lugar de ambigüidades,
Dores e conflitividades,
Que se espera que surja a cura.
No colo que nina,
Nas brincadeiras que se constroem
Nas historias que são contadas,
No espaço em que se ouve o outro.
E ao assentar ao redor da mesa
Na prece da criança,
No choro do adolescente que ama pela primeira vez,
No choro do adolescente que perdeu o amor.
Nas emoções daquele que não tem para onde ir.
É ainda neste espaço que se forja o caráter,
Se constrói o afeto,
Se percebe a vida,
Se conhece um pouco de Deus.
Família é lugar de contradições,
Mas ainda é um dos poucos lugares seguros de se viver.