sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

O mistério do casamento

Na verdade nunca acreditei muito em casamento
Seus ingredientes têm sempre os componentes de nitroglicerina pura.
Casamento tem tudo para não dar certo!
Prá começar, é a união de um homem com uma mulher,
Cada um pensando em categorias próprias,
Nem sempre aristotélicas.
Relações de tempo e espaço são percebidas de forma completamente diferente entre macho e fêmea.
A sensibilidade feminina com a visão masculina,
Elektra e Édipo
Progesterona e testosterana.
É difícil estabelecer dialogo em pessoas que partem de pontos tão diferentes
Mistura pouco razoável.

Soma-se a isto os temperamentos tão distintos tentando fazer coisas juntas.
Como é que pessoas com visões diferenciadas podem construir positivamente?
Vocês já viram algum homem que tenha compatibilidade de gênio,
Com o indomável gênio de uma mulher?
E quem, de bom senso, deseja uma mulher domada?
Mulher é por natureza de natureza indomável...
Ai surge a incompatibilidade de gênio,
“Uma pequena frase, criada por pequenos juristas, para justificar o divórcio”
Afinal,
Todos somos incompatíveis.
Colocados juntos, as diferenças hormonais e as interpretações da vida,
Trazem como resultado, na melhor das hipóteses, o caos na sua mais profunda essência.

Casamento possui uma fórmula perigosa.
Sua equação é muito pouco sensata.
Mas quando um homem encontra com a mulher que ama,
Ele vai ao fundo, perde o foco, perde a coerência.
Torna-se intransigente na sua posição,
Incoerente na sua análise,
Raso na sua hermenêutica,
Porque não existe nada mais mágico,
Cheio de vida,
Tão arriscado
Tão profano e sagrado,
Que o encontro de um homem com uma mulher.
Nada tão pouco razoável,
E nada que faça tanto sentido.
Nesta incoerência tão lógica,
Neste barbarismo tão coerente
Nesta desumanidade humana.
O casamento,
Que tem tudo para não dar certo.
É a coisa mais certa do mundo...

O Mentiroso

Mentia tanto que já não sabíamos onde começava o homem e terminava a fabula.
Ele mesmo já não sabia mais o que era fantasia e realidade.
Quais eventos era reais ou mitos
Assim era sua vida: verdade falsificada
Falsa verdade.
Sua mentira já não era mais ofensa,
Nem questão de caráter.
Sua mentira era ele mesmo,
Ele era a grande farsa.
Sua vida era a contradição encarnada.
Tornou-se objeto de chacota,
Comentário fortuito à roda da mesa do bar.
Mentira...

Podia contar a mais verdadeira das historias,
E quanto mais enfatizava ser verdade,
Mais parecia mentira.
Tornou-se a mentira.
Ela não apenas a contava – era ela mesma.
O que fazer qunado o ser deixa de ser a realidade?
Para virar o não ser?
O que fazer quando a mentira se torna a biografia e reflete a personalidade?
Como se livrar do espectro de não apenas falar a mentira, mas de ser a mentira?
Quem pode livrar o mentiroso de si mesmo,
Quando ele se torna a encarnação da mentira?
Quando a narrativa e o narrador se co-fundem?

Samuel Vieira
Fevereiro 2007

O Inesperado

Você já se sentiu numa situação sobre a qual não tem controle?
Uma viagem planejada, com todos os bilhetes comprados,
Malas prontas, roteiro preparado,
Que infelizmente você não conseguiu realizar?
Uma noticia inesperada,
Um fato novo,
Uma tragédia,
Uma ameaça?
E você não conseguiu realizar seu sonho.
Imagine ainda,
A tentativa de ir para um determinado lugar
Com todas as conexões acertadas,
E você perde a primeira conexão,
E todas as demais tornam-se impossíveis?
Os planos são frustrados,
Os projetos nem sempre se realizam.
Você está se dirigindo ao aeroporto,
Um rush o pega no meio do caminho
O pneu do carro fura,
O carro para inexplicavelmente no meio da pista.
É... a vida tem destas coisas.
Não temos poder sobre o tempo,
Nem sobre o trânsito,
Sobre nossa saúde,
Ou sobre nós mesmos.
Quem dentre os homens tem pode sobre eventos sobrenaturais?
Sobre a morte, sobre o destino.
Quem é senhor dos seus próprios impulsos e paixões?
Quem pode antecipar sua própria biografia?
Para o tempo,
Defender-se do inesperado,
Controlar a fúria da natureza,
A violência do fogo,
A agressão inesperada?
Eventualmente nos sentimos à mercê do destino,
Escravos do acaso,
Cobaias de Deus.
Mas o inesperado também pode fazer sentido,
Quando se relativiza o controle,
Quando se abre mão da onipotência,
Quando se confia o inesperado àquele que nunca é pego de surpresa.
Quando se olha para o inesperado como oportunidade do novo, do sobrenatural,
De que algo não previsto se torne belo.
De que, não necessariamente, o inesperado é ruim,
Que seu acontecimento pode estar engravidado de sentido.
Quando se percebe que o inusitado tem seus desenhos, cores, propósitos.
Nas variações e musicalidade,
Dos eventos inesperados.

Livres para morrer

Liberdade é sempre associada a vida,
Porque não existe uma vida digna de ser vivida sem liberdade.
Nem sempre perguntamos liberdade de que,
Ou liberdade para que,
Porém todos a aspiramos.
Ninguém tem interesse em viver numa bonita gaiola de ouro,
Com todo conforto, mas enjaulado.
Liberdade é essencial para viver
E é a essência da vida.
Mas não basta a liberdade para viver,
Precisamos ser livres para morrer.
Precisamos de liberdade para não nos atermos à vida
De forma que morrer se torne um pavor para nós.
Homens verdadeiramente livres são livres para viver
Porque também são livres para morrer.
Não desejam a morte em si mesma
Não conspiram quanto ao valor da vida
Tampouco se assustam com as ameaças dos poderosos,
Dos sistemas,
Da enfermidade ou da dor.
São livres para viver porque são livres para morrer.
A morte não lhes ameaça.
E isto se constitui numa enorme liberdade para si
São autênticos em todas as dimensões.
Autenticidade para a vida e para romper com a vida se necessário.
Homens livres não temem o enfrentamento com a vida.
Não desafiam a morte
Não apreciam a anti-vida
Não conspiram contra o valor da existência
Não desvalorizam a existência humana.
Celebram a vida mas não são escravizados ao viver,
A ponto de sacrificar sua coerência,
Sua consciência,
E sua própria liberdade.
Assim Jesus falava da morte.
Morte-transição!
Embora amasse a vida e lutasse contra a morte
Morreu com serenidade porque era livre para fazê-lo.
Sua liberdade lhe deu condições de ser o que foi na vida e morrer da forma como morreu
Apesar de nosso grande desejo de viver
Nunca devemos nos apavorar com a morte,
Porque apenas assim experimentaremos a verdadeira liberdade.

Espelho da alma

É o fim!
Simplesmente não posso e não quero mais
Estou só,
Faz frio,
É o fim!

Cessaram as utopias
Desfizeram-se as esperanças
Enganei-me e enganei os outros
Estou só!

Nem sei como a solidão chegou tão depressa
Tudo estava bem...
Ou pelo menos eu pensava estar
Mas tudo implodiu: a base estava podre.
E eu ficou só, tentando juntar os cacos.
Não se assuste com o meu desespero.
Porque ele é pior do que você imagina.
É o fim!

Primeiro foram os filhos,
Saindo devagar, um a um
Não suportavam mais minha intransigência
Na verdade nem eu me suporto mais
Embruteci, emagreci, enrijeci
Fique só!

Depois saiu minha mulher
Quebrada, moída, um farrapo.
Mas com a impressão de que já ia tarde
Não conseguiu me salvar, resolveu salvar a si mesma.

Estou só!
Preciso reencontrar meu norte
Preciso repensar a vida
Preciso reescrever minha história.

Quem conseguiu produzir enredo tão triste,
Com cuidado, fé e vontade
Pode reescrever sua nova história.
Quem foi tão estúpido em cometer tanta tolice
De forma tão estúpida
Deve ser nobre
Com um mínimo de bom senso,
Para buscar ajuda!
Você precisa se queimar na sua própria chama,
E impossível se renovar sem se tornar cinza.

Coisas de pobre

Pode parecer coisa de pobre,
E certamente o é.
Mas você já sentiu prazer maior que olhar o por do sol, sem pressa, sem agenda?
De conversar com gente simples, ouvir suas historias, sem negociar nem representar?
Já sentiram prazer em viajar de ônibus,
Nas mal cuidadas estradas do Brasil,
Entrando nas estranhas rodoviárias de nosso país?
Conversar com gente que pensa com categorias diferentes?
Sem ter que provar nada e não ser ninguém?
De andar nas ruas empoeiradas das cidades do interior,
Olhar as janelas, as casas, as pessoas,
Os meninos brincando nas ruas?
Imaginar suas histórias pessoais?
Ouvir as histórias contadas pelas casas antigas,
Refletir sobre sonhos e frustrações de quem já passou por ali?
De contemplar vilas de beiras de estrada,
Ver meninos descalços e seminus,
Sem nenhuma das preocupações que tantas vezes quase nos matam de ansiedade?
Sentir o cheiro do alho no feijão da panela de ferro,
Do fogão de lenha?
Sentir o cheiro da terra quando a chuva cai sobre ela,
Tomar um café na beira do fogão,
Pescar um lambari na beira do rio,
Chupar uma manga madura tirada do pé
Sentar ao redor da fogueira,
Assar uma carne com amigos,
Tocar violão sem pressa,
Ouvir grilos, corujas, bem-te-vis e quero-queros,
Enquanto a noite se torna mais densa?

Sei que isto é coisa de pobre,
Mas quanta riqueza existe nestas coisas simples?

Apreciação

Alimento-me muito bem de fantasias,
E facilmente me desmonto com elogios.
Bastam poucas palavras para que eu me derreta,
Pouca coisa é suficiente para alimentar meu coração vaidoso.

Um bom elogio me sustenta o mês inteiro,
Uma declaração honesta, um reconhecimento sincero,
Faz meu coração vagabundo saltar de alegria.

Não sei como podem sobreviver aqueles que vivem sem apreciação.
Uma mulher mal amada que ansiosamente aguarda a palavra que não vem.
Uma criança que faz de tudo para ser apreciada e nunca é vista.
Como viver se não nos enxergam?
Sem um olhar ou uma palavra de admiração?
Sem um abraço de reconhecimento.
Sem um prêmio diante das pequenas conquistas.

Como sobrevive um homem numa relação apenas de cobranças e críticas?
Um funcionário constantemente sob ameaça?
Que nunca volta pra casa com o peito estufado de orgulho de ser gente,
De fazer coisas que são apreciadas.
De uma manifestação de louvor de seu patrão...

A apreciação é a mola mestra da dignidade humana.
Nada valoriza tanto o ser humano
Do que ser olhado com admiração,
Ser visto como alguém competente e criativo.

Muita coisa mudaria em nossas pobres e vazias relações,
Se ao menos ouvíssemos:
“Isto foi bem feito!”
“Você está bonita...”
“Que coisa boa você fez...”
“Você é deemaaaiiiss!”

Se ao menos olhássemos o outro e o víssemos com alguém especial,
Carente e frágil como nós mesmos.
Mas ao mesmo tempo alguém especial,
Carregado de valor.
E fôssemos capazes de apreciar o bem que existe no outro,
Se o víssemos como uma dádiva de Deus, um dom dos céus...

E que esta nossa nova compreensão,
Se tornasse poética em demonstração e palavras.

Que falta temos de uma boa apreciação...

A esperança

Viver sem viver quem não consegue sonhar,
Quem vive por viver o mal vivido
Dormindo no caos, esperando o nada
Viver parcial, viver sem sentido.

Que desalento quem nunca espera
Um abraço querido, um sorriso chegando
A mulher amada, o filho querido
Quão triste é o viver se o viver não espera...

Vive por viver, quem não aguarda a vida
Quem anda sem rumo, caminha pro nada
Vive acidentalmente o acidente da vida
Entre o acidental nascimento e o acidente da morte.

Vive por viver quem não encontrou sentido,
No céu estrelado, na esperança porvir
Vive sem viver quem mata os sonhos
Deixa de existir, todo o nada por guia.

Feliz o coração que espera com fé
Que crê na vida, não teme a morte
Que vive uma vida centrada no norte
Da viva esperança que ensina a viver.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

Pé-do-porco

Zona final.

Ponto de contacto entre bêbados e desencontrados.

Ali, nada acontecia – tudo acontecia.
Zezão morreu de valentia,
O cemitério está cheio de gente assim.
Carrinho de um tiro de garrucha,
Ao tentar forçar uma menina a beijá-lo.
Chico bana-rabo, de malandragem,
Estes normalmente partem cedo...
Queiroz de acidente,
Deixou muitas saudades.
Eulin de acidente,
Menino bom... outra dor no peito.

Só não morreu quem não ficou,

Para o restante, mera sobrevivência...
Porque nunca foi valente,
Porque nunca foi namorador,
Porque nunca foi ambicioso,

E se encontrou perdido nesta terra de ninguém.
Ficou ali no anonimato,
Na indiferença,
No silêncio dos anônimos.

Quanta história nesta terra de ninguém.

Quanta narrativa os esquecidos têm...

O espectro da miséria

Não me assusta a pobreza, a singeleza, a escassez,
Assusta-me a miséria.
Não há indignidade em não ter uma casa rica,
Andar com carro velho,
Ter um salário espartano.
Mas a miséria é dura...

É duro não ter trabalho digno,
É duro não conseguir trazer comida pra casa,
É duro não ter o mínimo,
É duro não ter certeza do amanhã,
É duro o frio sem cobertor.
É duro trabalhar e não ter,
É duro ter salário de fome,
É duro não ter remédio para o filho,
É duro não ter teto prá viver,
É duro transitar meio à morte e o esquecimento,
É duro não poder estudar o filho,
É duro a eterna marginalidade,

Mantida e sustentada pelo sistema injusto,
O mercado cruel,
O governo injusto,
Pelos pecados sociais endêmicos.

Pois coisas são tão vis e indignas,
Que viver na miséria,
Vivendo de frente a muita riqueza,
É duro equacionar o dilema,
De se acomodar no esquema,

De viver miseravelmente na miséria.

Negritude

Ele era alto e magro,
Excelente candidato a jogador de basquete.
Pobre, de hábitos simples,
Pele negra, África Zulú, quilombo.
Ética calvinista.
Alma pronta para o serviço e para servir,
Admirado por muitos, tornou-se político, vereador da cidade.
De repente estava ali, no meio de negociatas, arranjos, acordos, pactos.
Todos aqueles termos e atitudes não eram claramente entendidos por ele.
Tudo aquilo não fazia sentido para sua alma simples.
Estava ali para servir, era candidato do povo...
Procurado por seus correligionários recebeu a proposta irrecusável:
“Precisamos de seu apoio...”
“Seu voto é importante...”
“Podemos negociar...”
“Você ainda não tem uma casa para morar...”
Quando entendeu que avaliavam seu preço,
Quando entendeu os motivos de tantos mimos e promessas,
Ficou inquieto, indignado, irado.
De forma simples, firme, segura e direta.
Deu a resposta de seu preço,
Pediu o preço se seu passe.
Expulsando os proponentes infames,
Com voz forte,
olhar firme:
“Já foi o tempo em que preto se vendia, passar bem senhores...”

Menino do farol

Estava sempre na mesma área,
Vendendo chicletes,
Aprendiz de artes,
Malabarista de plantão,
Pedindo dinheiro,
Cheirando cola.

Cadê aquele menino que estava sempre aqui?
Vendendo chicletes, implorando vida?

Vitima de sua história, interagindo com ela,
Explicando-a,
Justificando-a,
Denunciando-a,
Defendendo-a.

Desapareceu...
Assim como chegou se foi,
Não faltarão substitutos: sem nome, sem história, sem documentos.
Delimitando um novo território.

Cadê o menino daqui?
Nesta manhã ele se foi e eu fiquei,
Mistério, enigma, semente, denúncia.
Seus sonhos, desejos, projetos ainda existirão?
Este menino ainda existe?
Terá ainda algum sonho consigo?

Que sonhos pode ter um menino que vende chicletes e implora vida?
Teria morrido o menino sem sonho,
Existirão ainda os sonhos do menino?

Estranho ritual

Todo o dia era a mesma coisa:
Acordar assustado
Tomar café às pressas,
Sair correndo para a escola.
Em dias de chuva ou de sol, era sempre a mesma coisa.
A cabeça de criança pensava em tudo, menos na matéria dada.
Que menino queria pensar em álgebra e gramática,
Se a poesia da vida se encontrava presente em todo lugar,
Menos na escola?
A escola era obrigatória, inegociável,
Por isto era sempre o mesmo ritual:
Acordar assustado
Tomar café às pressas,
Sair correndo para a escola.
Em casa estavam os passarinhos para cuidar,
Os amigos esperando para jogar peteca,
Soltar papagaio,
Jogar pelada,
A manga madura para chupar,
Os passarinhos de estimação nas lindas gaiolas penduradas na varanda,
E o mais importante,
Cuidar do tico.
Um franguinho de estimação, esperto, condicionado, domesticado.
Até hoje eu não sei se era o tico ou o menino que estavam condicionados,
Mas nesta relação simbiótica se mantenham e se nutriam.
Era só chamá-lo de um jeito especial e ele vinha de onde estivesse,
Desejoso de comer dos ricos manjares das mãos do dono,
Sempre havia restos de carne,
separadas de forma especial para o tico.
Até hoje creio que as outras galinhas sentiam ciúmes...
Ali estavam as guloseimas das aves.
Um dia, descuidadamente, o garoto não percebeu o calção rasgado,
Onde se podia avistar uma suculenta pelanca,
Manjar do franguinho, banquete de aves...hummmm...
A bicada foi eficiente como sempre, de forma certeira.
O garoto gritou de dor: peeegaaaa!!!! Maaatttaaaa!!!!
Ninguém entendia muito bem o que acontecera.
De repente o tico não era mais aliado, era um inimigo,
Forte combatente destinado ao calabouço,
Combatente feroz, precisava morrer, traidor.
Pedras e paus eram jogados enquanto o tico, desesperado fugiu no meio do mato.
O tico nunca entendeu,
O estranho ritual de seu dono naquele dia.

Encontro de família

Meu Deus!
Chegam de todos os lugares:
Minas, Brasília, Rio, Goiás, exterior...
Tão ligados e tão distantes:
O contemplativo
O centralizador
O narcissista
O malandro
O safado
O barulhento
O isolado.
Cada um representa um papel
Assume sua persona
Veste sua própria máscara.
O que vai acontecer desta vez?
Quem vai sair ferido deste encontro?
Qual será a fofoca que vai nutrir este evento quando se separarem?
Viram o jeito sensual da Maria?
O João está cada vez mais gordo...
Que mulher possessiva a esposa de Adolfo.
Viu a segunda mulher do Tuco?
Dizem que Cíntia está “vivendo” com o namorado.
O Betinho está quebrado...
Ouviu falar que o Lucas parou de estudar?

Que evento estranho é este:
Laços de família.

Tão neuróticos,
Tão distantes,
Tão críticos,
Tão diferentes,
Tão iguais...

A Velhice

Chegou tão depressa...
Como se fosse um passageiro da utopia
Como se fosse ontem
Mudaram as percepções,
Mudaram os valores,
Mudaram os enfoques.
Só não mudo eu. Sou duro. Sou o mesmo.
Menos resistente
Um tanto quanto gasto,
Dispersivo e lento.
No entanto,
A velhice e eu somos um.
Ela chegou e eu já estava aqui,
Mas eu era ela mesma.
Agora, eis-me aqui, escravo de sua tirania
Hospede de sua realidade.
Eu e ela nos fundimos – somos um só!
Encontro-me distendido entre o que eu sou e quem eu penso ser.
Quero dominar e sou dominado
Quero ser eu e já não sou mais
Meu corpo e meus desejos entram em disputa
Sei o que quero, não posso o que sei.
Nesta confusão tento me entender
Demorei tanto para me perceber e ver
E agora o meu eu difere de mim mesmo.
Minha mente parece boa
Mas meu corpo é incapaz de segui-la
O que eu sou não é quem eu sou.
Sou um outro dentro de mim
Em luta contra a velhice, que sou eu mesmo.

Chegou tão depressa...
Não me preparei para recebê-la.
Tão estranho,
Tão distante,
Tão eu...

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

A vaidade das letras.

É tarde,
e eu estou aqui brincando com as palavras
Tentando achar formas de dizer o que não preciso dizer
De falar da vida já tanto falada
De contar histórias já esquecidas

Nem sei o que fascina pensar nas palavras
Se estou certo de que meus devaneios
Mais cedo ou mais tarde se perdem num canto
Uma escrita qualquer, sem leitor, sem valor.

Na verdade não escrevo para ser apreciado
Brincar com as letras é pura vaidade
Narcisismo essencial de quem se enamora
Com a sua própria imagem refletida no espelho da alma

Escrever poemas é essencial à vida de quem,
De uma forma tola e ingênua
Acha que falar de si, falar da vida
Tem algum valor, faz algum sentido.

Por isto,
É tarde,
E eu estou aqui ainda brincando com as palavras.

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

Antologia Poética

Suas canções sempre se deram na rua dos cataventos,
Falavam de sapatos floridos,
Espelhos mágicos,
Pé de pilão,
Histórias sobrenaturais.
Na verdade, ele nunca passou de um aprendiz de feiticeiro,
Com suas antologias poéticas.
Povoando sonhos,
Criando magias.
Que poeta pode falar com tamanha galhardia
De Quintanares,
A vaca e o hipógrifo,
O nariz de vidro?
Na volta da esquina,
Nos esconderijos do tempo,
Sua primavera cruz o rio.
São os preparativos de viagem,
Coroados nos seus oitenta anos de poesia,
Pintando cores invisíveis,
Falando de velórios sem defuntos,
Fazendo seus preparativos de viagem,
Atravessando portas giratórias,
Abrindo os baús cheios de espanto,
Transformando seus sapatos furados,
Usando a preguiça como método de trabalho
Ensinava Lili inventar o mundo
E os amantes da poesia a sonhar.

Samuel Vieira
Anápolis
Fevereiro 2007