segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Uma outra História

A mesma história pode ser contada de ângulos diferentes, dependendo muito de quem as conta. A história recente do ditador Muamar Kadafi, “amigo e irmão” de Lula, como este o definiu, contada por ele, narrará a sua épica jornada contra os imperialistas europeus e americanos; se contada pelos seus opositores, trata-se de uma história de atrocidade, tirania e autoritarismo.
Alguém já afirmou que a história é sempre contada pelos poderosos. Pensando, portanto, na Independência do Brasil, na perspectiva de uma outra história, ficamos estupefatos.
D. Pedro I, supostamente, é um herói brasileiro, que à margem do Ipiranga, fez a célebre afirmação: Independência ou morte!
Independência de quem?
D. Pedro I era legítimo herdeiro da coroa portuguesa. Filho de D. João VI e de D. Carlota Joaquina. Sabe-se que seu grito (me assusta pensar que a Independência do Brasil foi “no grito”) foi um arranjo político digno do nosso congresso atual. Eles acordaram que D. João VI, retornaria para Portugal, e para abafar as constantes manifestações de anseios libertatórios já presentes como os da Inconfidência Mineira, e o esquartejamento de Tiradentes, fariam uma dramatização: D. Pedro I chamou a imprensa e seus aliados, e mesmo estando bêbado, levantou sua espada e gritou: Independência ou morte!
A família real retornou à Europa em 26 de abril de 1821, ficando D. Pedro I como Príncipe Regente do Brasil. A corte de Lisboa despachou um decreto exigindo que o Príncipe retornasse a Portugal. Revoltado, em 7 de setembro de 1822, declarou a independência do Império do Brasil. De volta ao Rio de Janeiro, foi proclamado e coroado imperador mas logo abandonou as próprias idéias liberais, dissolvendo a Assembléia Constituinte, e demitindo José Bonifácio (1824). Com a morte de D. João VI, resolveu voltar para Portugal e assumir novamente o trono português, e, constitucionalmente não podendo ficar com as duas coroas, instalou no trono a filha primogênita, Maria da Glória, como Maria II, de sete anos, e nomeou regente seu irmão, Dom Miguel. Seu coração nunca fora do Brasil.
A questão da Independência foi tão patética, que países da América do Sul, não quiseram reconhecê-la, alguns anos foram necessários para que esta coreografia fosse aceita pelos vizinhos. O Brasil declarava independência de Portugal, mas quem continuava governando o país era um Imperador português. Parece piada!
Outro aspecto não mencionado, é que, para que a Independência proclamada em 1822 fosse reconhecida, a monarquia aqui estabelecida aceitou que importante parcela da dívida portuguesa - de 1,3 milhão de libras esterlinas - com a Inglaterra fosse paga pelo Brasil. o Brasil assume pesada dívida externa portuguesa, no bojo das negociações para uma Independência já conquistada política e militarmente. A balança comercial brasileira torna-se deficitária entre 1821 e 1860, e era paga com o ingresso de capitais estrangeiros, na forma de empréstimos públicos.
Ora, o Brasil foi o único país da America Latina que não lutou pela sua independência, mas a negociou. Nosso retrospecto em termos de lutas e conquistas sociais realmente não nos favorece muito... Tudo tem que ser feito na base de arranjos e maracutaias...
Apesar de todas estas idas e vindas, estamos aqui, tentando celebrar as contradições deste país que chamamos de “nosso”.
Viva o Brasil!

Jornal Contexto - Anapolis
5 de Setembro 2011

Heróis sem caráter

Um dos mais infames personagens da literatura brasileira é “Macunaíma, o herói sem nenhum caráter” de Mário de Andrade (1928), que à margem do Uraricoera, em plena floresta amazônica, desde a primeira infância, revelava-se como um sujeito “preguiçoso” e contraditório. No prefácio não publicado, Andrade afirma que em Macunaíma, desejava descobrir a identidade nacional dos brasileiros. Afirma que o brasileiro não tem caráter, e justifica que com a palavra caráter não determinava apenas uma realidade moral, mas a entidade psíquica permanente, se manifestando nos costumes e na ação exterior do bem e do mal. “O brasileiro não tem caráter porque não possui nem civilização própria nem consciência tradicional”.
Jorge Luis Borges, escritor argentino, afirmou que as pessoas sentem a necessidade de épica, por isto Hollywood se tornou tão popular. Todos os povos constroem seus heróis, que se tornam ícones por gerações e apontam para referências utópicas. Quando uma cultura constrói esta imagem em cima de anti-heróis, corre sério risco de desintegração moral. A grande questão é entender quem tem sido posto como herói.
Don Richardson, escritor holandês, narra sua experiência em Papua Nova Guiné, com os “Sawis”. Este povo cultuava o engano, praticava o canibalismo e tinha a crença que os homens brancos eram divindades. Richardson demonstra como foi contracultural falar do cristianismo para um povo que via Judas como herói, por ter traído Jesus. Entre os sawis, a traição era mais que uma filosofia de vida, Constituindo-se num "ideal concebido e aprimorado pelas gerações passadas". As pessoas cultivavam uma amizade por um longo tempo e depois assassinavam a vítima, e isto era considerado a mais elevada forma de traição. Seus heróis não eram os guerreiros, antes, aqueles que exibiam os maiores requintes na arte da traição. O traidor Judas era o símbolo de masculinidade e o beijo da traição era a expressão suprema da esperteza.
Quais são os heróis brasileiros?
No “Big Brother”, conhecido reality show brasileiro, o apresentador Pedro Bial se refere aos participantes como “nossos heróis”. É lamentável que aqueles jovens, com corpos sarados e moral duvidosa sejam tratados desta forma. Não possuem nenhum talento ou criatividade, nada fizeram pela nação ou por sua comunidade, não possuem qualquer ato de bravura, coragem ou integridade, mas são alçados ao posto de heróis. Será que Mário de Andrade estava certo ao colocar Macunaíma, o herói sem caráter, como ícone brasileiro?
Ai da nação que constrói seu ideário heróico em frágeis ícones éticos. Paulo Maluf continua sendo deputado federal, mesmo estando na lista dos bandidos procurados pela Interpol por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Mesmo com imagens de Jaqueline Roriz recebendo dinheiro de corrupção, seus colegas votaram contra a cassação de seu mandato. Se isto não é quebra de decoro parlamentar, vamos ter que reinventar a ética.
Precisamos de verdadeiros heróis, marcados pela simplicidade, lealdade, caráter e honradez. Chega de “macunaímas”. Ou será que sempre precisaremos de heróis sem caráter para aprofundar ainda mais nossa dor?

Jornal O Contexto
26 de Agosto 2011