quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Cancro Social

Eu preciso admitir: Gostaria de ter a mesma fibra, determinação e ousadia de Anna Hazare, ativista anticorrupção que se tornou um ícone da Índia, ao desencadear uma cruzada contra os sucessivos escândalos dos serviços públicos. 74% dos indianos acreditam que a corrupção do país aumentou significativamente nos últimos três anos.
Tanto lá, como no Brasil, fala-se de corrupção endêmica. “Designa-se endemia qualquer factor mórbido ou doença espacialmente localizada, temporalmente ilimitada, habitualmente presente entre os membros de uma população”. (Wikipédia). Hazare, aos 74 anos, tem sido chamado de “o novo Ghandhi”. O governo bem que tentou reprimir seu protesto, o primeiro ministro Singh ordenou sua prisão, mas o resultado foi catastrófico, pois muitas pessoas que estavam alheias, resolveram engrossar as fileiras de manifestação no país.
O Brasil precisa de pessoas assim. Nossa endêmica corrupção tem se tornado cultural. Em todos os níveis, municipal, estadual e Federal servidores públicos e empresários de mau caráter querem tirar vantagem através de favorecimentos ilícitos, arranjos e troca de favores. As pessoas já acreditam que não vão conseguir a aprovação de um projeto civil, de uma construção, da liberação de documentos sem “molhar a mão” do fiscal ou do funcionário. Isto é um Cancro ou Câncer social, “doença caracterizada por uma população de células que cresce e se divide sem respeitar os limites normais, invade e destrói tecidos adjacentes, e pode se espalhar para lugares distantes no corpo, através de um processo chamado metástase” (Wikipédia).
A corrupção premia a ineficiência, destrói a meritocracia, enfraquece os valores, arrebentando gerações a médio e longo prazo. Países corruptos, historicamente, se tornam burocráticos e ineficientes. Tenho visto funcionários e empresários de caráter passando por verdadeiras agonias, por resistirem ao suborno e verem seus projetos postergados e engavetados por aqueles que decidiram alicerçar suas vidas sobre esta areia movediça.
Três trechos bíblicos nos advertem severamente sobre os efeitos deletérios da corrupção. O primeiro afirma que ela traz prejuízos para a família: “O que é ávido por lucro desonesto, transtorna sua casa; mas o que odeia o suborno, esse viverá” (Pv 15.27); O segundo mostra o prejuízo social. Nenhum país se sustenta com um cancro tão maligno quanto este. “O perverso aceita suborno secretamente, para perverter as veredas da justiça” (Pv 17.23). O terceiro revela que o suborno destrói a dignidade e o mundo psicológico daquele que o pratica, já que a pessoa se desorienta com o ganho ilegal. “Também suborno não aceitarás, porque o suborno cega até o perspicaz e perverte as palavras do justo” (Ex 23.8).
Ao ver a atitude de Anna Hazare, torço para que alguém, com mais fibra e ousadia que eu, se levante no Brasil, mobilizando pessoas com disposição para lutar contra esta trágica e aflitiva ética, que tem trazido danos quase irreparáveis à nossa nação.
Jornal Contexto
Anapolis 22 Agosto

A Grande Inversão e a Apatia

Os eventos relacionados à prisão dos líderes da gang do Ministério de Turismo chamam a atenção. A Controladoria Geral da União (CGU) investiga o desvio de recursos destinados a eventos em centenas de municípios, financiados majoritariamente por emendas parlamentares. Só este ano, receberam ajuda financeira cerca de 1.500 eventos "que atraem fluxo turístico" no total de mais de R$ 250 milhões. A CGU suspeita que prefeitos, ONGs e deputados federais prestam contas com notas fiscais frias para justificar despesas.
A notícia em si já nos deveria assustar, mas como estamos tão “acostumados ao mal”, não conseguimos perceber quão profunda é a doença da corrupção. A pior das mortes não é a morte em si, mas a apatia. Achamos que o mal é normal. “Todo mundo faz assim”. Esta endemia, pandemia ou epidemia, qualquer nome que se dê à sistematização do mal, é pior do que o mal em si.
“O ódio não é o oposto do amor, e sim a apatia. O oposto da vontade não é a indecisão, e sim não envolver-se, ficar desligado... Apatia (a-pathos) é uma fuga do sentir. A apatia opera como o instinto da morte de Freud” (Rollo May).
A Presidente Dilma Rousseff, se pronunciou a respeito, afirmou que estava “furiosa” e “irritada”. Infelizmente não disse que se sentia assim por causa do escândalo e sim pelo procedimento abusivo da Polícia Federal, que teria cometido exageros na prisão dos 35 suspeitos envolvidos no desvio de verba.
Nossa Presidente tem todo direito de se sentir irritada. O problema de sua ira é que ela se deslocou. Por causa da pressão das bases aliadas, sua indignação caminhou na direção errada. O problema deixou de ser o crime para se tornar a forma como se trata os criminosos.
Já não é a primeira vez que isto acontece. Na Operação Satiagraha em 2004, que resultou na prisão de vários banqueiros e investidores, abriu-se uma verdadeira "caixa de Pandora". Negócios ligados ao nome do banqueiro Daniel Dantas, e o governo foram colocados no centro do debate político de uma hora para outra. A PF apreendeu, no apartamento do banqueiro documentos que comprovam o pagamento de propinas a políticos, juizes, jornalistas no valor de R$ 18 milhões. Naquela ocasião, como agora, a Policia Federal se tornou a vilã, por não ter adotado todos os procedimentos corretamente. Inverteu-se o foco. Quem aplica a lei torna-se o centro da discussão e não quem infringiu a lei.
Naturalmente, abusos de poder por parte de policiais devem ser sempre analisados – é sempre arriscado quando agentes da lei se transformam na lei em si mesma. Por outro lado, é importante não transformar quem deveria ser herói em marginal. Quando isto se dá, inverte-se a lógica. A reação às ações da PF ganharam mais destaque que os atos criminosos dos agentes do Ministerio de Turismo.
Esta inversão é perversa e profundamente arriscada...
Jornal Contexto - anapolis
17 Agosto

Geração Cogumelo

Zeca Baleiro, cantor e compositor, escreveu curioso artigo na Revista “Isto é” de 20.07.2011: “Cabeça”. Ele afirma que achou estranho o título de dois livros falando de pessoas extraordinárias: “A cabeça de PeterDrucker”, e “A cabeça de Steve Jobs”. Seu comentário é o seguinte: “Apesar do culto a essas mentes brilhantes, este mundo hipermoderno e ultra capitalista não preza, infelizmente, o que as cabeças tem de mais especial – A própria capacidade de pensar e criar com originalidade e personalidade”. No final do artigo conclui: “Agora vejo as cabeças estampadas nas capas dos livros com receitas infalíveis de sucesso e me pergunto: quando é que dedicarão um livro à alma de Steve Jobs? Quando isso acontecer, talvez comece a me interessar por tal literatura”.
Esta é uma grande questão antropológica: Temos gerado uma ruptura no ser humano, como se ele fosse constituído apenas de cabeça, ou de alma, ou de corpo. Não integramos as partes neste todo estético.
Muitos se tornaram apenas corpo. Sua preocupação é com a beleza física, e transformaram sua vida numa obsessão ou mesmo religião. O termo fisiculturismo traz, etimologicamente, a idéia de sacralidade, já que fala de “culto ao corpo”. Pessoas cultuando seus corpos se tornam apenas músculos!
Por outro lado, outros se tornam cérebro. Somos a “Geração Cogumelo”. Cabeça grande, peito pequeno... Não há grandeza de coração, em muitos admiráveis seres humanos, embora sejam cultos, inteligentes e brilhantes. Isto gera uma espécie de “autismo extrovertido”, levando pequenos gênios à mesquinhez de alma e pobreza de relacionamentos. São pessoas que se casam, mas nunca se permitem penetrar e deixar-se penetrar na alma do outro. Gente assim, se masturba no ato sexual. Torna-se ser sem alma, existencialmente pobre.
Precisamos ler mais biografia sobre humanidade que sobre cérebros de pessoas excepcionais.
Não somos autômatos! Não vivemos para ter apenas um corpo sarado e uma mente brilhante. Muitas mulheres bonitas se tornam plásticas e solitárias em seu narcisismo, não são capazes de amar. Estão enamoradas de si mesmo e de seu exibicionismo narcisista e foram transformadas em ícones de bumbuns e silicones.
Pessoas brilhantes do ponto de vista acadêmico facilmente se tornam distanciadas e mal resolvidas afetivamente: Cabeças cheias de equações, idéias e pensamentos, mas coração vazio de significado, amor e valor.
Equilibrar corpo/mente/alma é o nosso desafio. Não apregoamos a mediocridade intelectual, nem a feiúra poética, mas a capacidade de ser integralmente humano, articulando estes diferentes pólos no significado de ser gente. Ser “cabeça”, apenas, é muito pouco...
Jornal Contexto Anapolis
10 Agosto

A incurável Dor

Aos 27 anos, Amy Winehouse foi encontrada morta, assim como outros famosos e mitológicos artistas que morreram ainda na juventude: Jimmy Hendrix e Kurt Kobain, se foram com a mesma idade, e provavelmente pela mesma razão - overdose. Todos estes pop stars tiveram características similares: Vidas atribuladas, escândalos, internações, fama, riqueza, popularidade e muito vazio existencial.
Creio que a característica comum em todos eles é o quadro definido psiquiatricamente como “angústia primal”, que gera um vazio enorme na alma e uma dor sem cura. A ausência de significado, associada ao uso da droga é quase sempre uma mistura fatal. O que leva pessoas tão celebradas a seguirem este caminho da auto destruição nas drogas e no alcoolismo?
Algum tempo atrás, o ex-presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, Fez uma declaração estranha: "Bobagem essa coisa que inventaram que os pobres vão ganhar o reino dos céus. Nós queremos o reino agora, aqui na Terra. Para nós inventaram um slogan que tudo tá no futuro. É mais fácil um camelo passar no fundo de uma agulha do que um rico ir para o céu. O rico já está no céu, aqui. Porque um cara que levanta de manhã todo o dia, come do bom e do melhor, viaja para onde quer, janta do bom e do melhor, passeia, esse já está no céu".
Ao acompanharmos a trajetória de Winehouse, podemos ver que Lula está equivocado: Riquezas, conforto e popularidade não são capazes de resolver a dor de um coração insatisfeito. “Mais de nada, leva-nos a lugar algum”... Blaise Pascal, matemático e filósofo, afirmou que “o homem tem um vazio em forma de Deus”.
É com compaixão e tristeza que vemos mais uma pessoa talentosa como Winehouse, perder a batalha da vida, porque não encontrou resposta para sua dor incurável, sua solidão e angústia. A droga que ela consumia e que a consumiu é apenas a ponta do iceberg da sua incurável dor, assim como de milhares de outros que também caminham entre nós, com este “pesado e vazio” sentimento de que lhes falta algo.
Fico pensando se não foi por esta razão que Jesus fez aquele convite conhecido: "Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve" (Mateus 11:28-30).
Riqueza, fama e popularidade não conseguem nos levar até o céu e nem impedem que o inferno adentrem nosso coração. O inferno não está ausente na vida das celebridades e do homem comum. Inferno, antes de ser um lugar, é um estado de alma.
Jornal Contexto
01 Agosto 2011