sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

Perdas...

Não transforme seu fracasso num troféu
Não se apegue a dor como um trunfo,
Não se torne vitima.
É tão fácil justificar o fracasso,
Encontrar razões para compensar o medo
Se afogar na culpa
Culpar os outros.
Seu fracasso é real, você falhou
Mas isto não lhe faz menor
Grandes homens foram transformados diante das perdas
E fizeram disto grandes lucros.
Nem toda perda é perda...
Nem todo ganho é ganho...
Não seja severo demais contigo
Não se vitimize
Não se justifique nem se explique demais.
Não se reduza a um momento da história
Há tempo de ganhar e tempo de perder
Por isto,
Não valorize seu fracasso
Não o exponha como um troféu
Não o coloque na prateleira
Ninguém se relaciona produtivamente com o outro movido por dó,
Apenas gente enferma de alma gosta disto
Não negue a dor
Não faça de conta,
Mas nunca transforme sua dor em troféu.

O mundo está repleto!

Nossa!
O mundo está repleto,
De pessoas
De coisas
De sons e de cores
De carros.
30 pares de sapatos, só dois pés,
50 calças, um só corpo
tornamos o mundo complexo
narcisismo puro!

Nossa!
O mundo está repleto
Mas minha alma está vazia
Falta sentido,
Falta missão,
Faltam sonhos.
O mundo está repleto e eu continuo só,
Sem ter alguém,
Neste mundo tão cheio!

O anti poeta

Que atrevimento aventurar-se na arte
Que só os verdadeiros poetas podem exprimir
Tentar ser a voz de quem não consegue
Falar de si mesmo, falar por si mesmo.

Poesia precisa ser respeitada, não pode ser palavra na boca de profano
Poesia é arte que nasce de dentro
E só é descoberta por quem se agoniza.

Sou o anti poeta, que ama a poesia
É que a poesia tem seus eleitos
Nem todos que tentam encontram a rima
Nem tudo na vida é verso e trova.

Ser poeta é uma arte doada pelos deuses
É um prêmio, é um dom, puro desejo
Por isto é raro encontra poesia
Na vida sem prosa, sonetos e tons.

Sou o anti poeta na busca das linhas
Sou o anti poeta na busca das rimas
Sou o anti poeta na busca dos sons
Sou o anti poeta na busca de mim mesmo!

Nunca

Nunca é um tempo longo demais
Nunca diga nunca, é perda de tempo
E o tempo é mestre em rir das promessas
De quem se acha seguro, inflexível na vida.

Diga não àquilo que vem hoje
Meio torto, meio fora de hora
Seu não é propicio para este momento,
Quem sabe, amanhã, o não seja sim?

Um não deve estar sempre presente
O não que viola, fere e mata,
Mesmo assim deixe o nunca no seu lugar
O nunca é severo, mas não é eterno.

Deixe espaço para arrependimento, deixe brechas para amar.
O nunca tem o poder de extinguir o perdão.
O nunca se fecha e a vida endurece
Nos torna implacável, duro demais.

Deixe sempre a porta aberta para repensar valores
Questionar a vida, olhar-se no espelho
Não diga nunca, nunca é longo demais.
Diga não agora, amanhã, quem sabe?

quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

Tori

Era assim...
Meio animal, meio humano,
Imundo demais para não ser percebido:
A cachaça, o desvalor, o abandono, o descaso.
Levaram à perda de sua identidade.
Na inevitável e fatal dominação de um cultura sobre a outra.
Vendeu sua alma,
Perdeu seus sonhos,
Destruiu a saúde.
Agora tentava se tornar gente, indigente.

De que tribo viera?
Que valores, cosmovisão, desejos e pensamentos outrora povoaram sua alma?
Identidade?
Cultura?
Nome?
Tori!
Arrancado de sua própria história,
Roubado sutilmente de seu povo,
“Civilizara-se”...
Sem termo, sem ermo, sem terra, desarraigado de sua história,
Fora arrastado no turbilhão da aculturação.
Apareceu por ali,
No meio dos botecos, dormindo ao relento, meio humano, meio animal.
Sem vontade, sem propósito, sem desejos.
Perdera a capacidade de amar as coisas e a vida,
Parecia viver refletindo na sua anti sobriedade,
Olhar distante, voz meio embargada, falando devagar.
Um filósofo dinamarquês nas poeiras de um lugar qualquer.
Caminhava cambaleante pelas ruas da cidade,
Recebendo um bocado ali, outro aqui,
Levando a vida do jeito que ela o levava,
Tentando reencontrar sua rica história,
Que se perdera na pobreza humana.
Escravo... desejando reencontrar sua infância livre.
Difícil reencontro.
Tori:
Índio, povo querido, gente boa.
Não precisava muito para que se sentisse bem,
Mas o pouco era inexistente.
Saudade da tribo?
Saudade de seu povo?
Saudade de si mesmo?
De um tempo perdido no tempo?
Ausência de sentido?
Identidade?
O que pode ser mais cruel do que a crueldade de uma cultura perdida,
Mais duro que a aculturação, inculturação, transculturação?
Tori,
Símbolo de tantos,
Expressão única de um ser que desistiu de ser o que era,
Para nunca mais descobrir quem é.
Tori!

Todos tem história para contar

O segredo de contar histórias não está no grande enredo que se vive,
Mas na capacidade do narrador em descrever o enredo.
Todas histórias são grandes enredos
Todos os dramas épicos, maravilhosos e grandiosos.
Na sensibilidade do poeta, do narrador, do músico.
A história banal e rotineira torna-se rica por causa da banalidade,
Sua rotina é seu grande enredo.
Existe alguma coisa mais dramática que o cotidiano?
A história trágica é um grande enredo, precisamente por causa de sua tragédia,
Por ter percorrido caminhos tão íngremes.
As fachadas das lojas que conheci na infância,
As cidades mais sem graça, por onde passei e vivi,
Possuem grandes dramas,
São grandes contos.
Cabe ao artista extrair seu mais profundo dilema e traduzi-lo.
O segredo não está no por do sol,
Na feiúra do lugar,
Na magnificência do ato,
Mas na capacidade do artista em apreender a imagem
E traduzir seu drama.
O deserto pode ser lindo
Também pode ser desafiador, selvagem, agressivo.
A poesia, a música, a pintura, o literato, podem transformá-lo em obra de arte.
A final, a beleza está no coração daquele que a contempla.
O banal tem história,
Todo banal é magnífico.
Aquela criança despretenciosa brincando na rua
Possui um fantástico enredo a ser construído.
Sua história pode ser fantástica,
Se relatada por alguém que saiba tal arte.
A famosa foto da mulher afegã
A dor da criança nua na guerra do Vietnã,
Os carregadores na fotografia de Serra Pelada.
Fatos corriqueiros transformados em expressões clássicas da história universal.
As casas, pessoas, ruas por onde passamos.
Contam histórias fabulosas:
Traição,
Mentira,
Farsa,
Alegria,
Celebração.
Velhas cidades relatam sagas de famílias.
A minha própria história,
Com seus dilemas, medos, obsessões, fé e contradições,
São historias para grandes clássicos.
Todos tem historias para contar,
Mas nem sempre existem homens que as contem.
Sobram narrativas, faltam narradores.
Gurupi tem história para contar
Iguape tem história para contar.
Afinal,
Quem poderia imaginar que de Nazaré pudesse surgir alguma coisa boa?

Tire férias !

Muitas pessoas se tornam angustiada nas férias,
O tempo sobrando
A falta de quem os controle,
Ninguém para controlar...
A inexistência de relógios para bater pontos.
E a angustiante experiência de viver com a familia que a gente não mais entende.
Tudo isto se torna muito pesado.
O excesso de trabalho tem o poder de nos desumanizar
Ser humano se torna um peso
Não mais queremos ouvir por ouvir,
Não fazer nada...
Nossas conversas precisam ser quantificadas,
Colocadas em gráficos,
Projetadas em multimídias,
Transformadas em estatísticas.
No entanto,
Por do sol não pode ser quantificado
Brincadeiras, danças e músicas não geram dividendos,
Apenas afetos.
Tire férias!
Mas tire férias de si mesmo,
Dos compromissos escravizantes que te automatizaram
Tire férias da sua onipotência,
Desligue o celular,
Antes desligue a si mesmo.
O cemitério está cheio de gente insubstituível.
Se você morrer, seja honesto,
Fará falta a alguém?
Seu dinheiro?
Servirá de disputa entre filhos, noras e genros.
Tire férias.
Deus não fez o homem por causa do sábado, mas o sábado por causa do homem.
Deus não descansou por causa de si mesmo,
Mas para nos ensinar que o único que não pode dormir
Se deu ao luxo de dormir,
Sem culpa, sem pressão de agendas,
Sem fantasmas da efetividade
Tire férias!
“Não há nada a dizer sobre o luar, mas a gente precisa ver o luar”.
Tire férias!
Tire férias de si mesmo,
De sua onipotência, arrogância, sede de poder,
Estupidez,
De sua ambição desmedida
De sua tolice notória!

Tantas histórias...

É...a vida é cheia de lances pitorescos,
De relatos não contados,
Experiência não divididas.
A vida não é um vídeo-game,
Não funciona no controle remoto,
Nem caminha no automático.
A vida não possui previsibilidade...
O certo de hoje é o incerto de amanhã,
A história não nos ensina sobre o amanhã,
Ela apenas relata como o imprevisível aconteceu ontem.
No meio de relatos confusos,
Pessoas confusas escrevem suas histórias em cenários confusos.
Escrevem suas histórias como coadjuvantes,
A história não está em suas mãos...
“Qual de vós, por ansioso que esteja pode acrescentar um côvado...?”
Tentam transformar a história em parceiro,
No entanto a história trapaceia e ridiculariza.
A história de Maria pode se juntar a de João,
Mas a história de João não é a de Maria.
Vivem juntos, mas possuem relatos distintos,
Percebem a vida por ângulos distintos.
Interpretam a história compartilhada de forma distinta
A hermenêutica da vida não é homogênea,
A história não é retilínea.
Existem muitas histórias dentro de cada história.
Existem muitas histórias dentro da própria história.
A história que se fala não é a história,
Mas apenas o relato de alguém que a interpretou.
Por isto a história do opressor não é a mesma do oprimido.
A história quase sempre tem sido escrita pelos poderosos.
Os fracos não possuem história.
Não lhes foi dado o direito à sacralidade da memória.
A história do vizinho não é a minha história,
Nem a minha história é percebida de uma única forma,
Existem várias versões da minha existência.
E eu mesmo não sei contá-la como ela é.

Rir de si mesmo

Poucas coisas são tão maduras como a capacidade de rir de si mesmo.
E poucas são tão complicadas...
Já parou para pensar em quantas trapalhadas você se mete?
Quantas gafes...
Cada uma delas mais bizarras que as outras.
Rir de si mesmo significa maturidade,
Rir sem se depreciar,
Rir para gerar leveza,
Não o riso de quem se culpa ou condena,
Mas como gente que começa a entender a vida como uma verdadeira piada.
Você é uma piada!
A crise em si mesmo é riso.
Daqui um pouco, quando você olhar o retrovisor de sua história,
Vai perceber quanta coisa engraçada aconteceu hoje,
Apesar de você ter sofrido tanto pelo que aconteceu.
Rir de si mesmo significa que você não precisa zombar do outro,
Nem menosprezar o outro,
Nem realçar o lado negativo do outro.
Você é a razão da sátira mais profunda.
Você é patético!
Mas ainda assim, você tem o seu próprio jeito de ser
Existem pessoas que amam você assim, ou talvez não o amem por isto.
Mas no fundo, é só você que vai ter que lidar com você mesmo.
Não dá para se comparar com ninguém.Já imaginou a discussão da ciência sobre a hipótese da clonagem?
Abomino esta possibilidade a partir de mim mesmo.
Já imaginou alguém sendo o seu clone?
Posso pensar numa Cindy Crawford, Angeline Lilly...
Mas outro eu?
Nunca!
Muitas vezes não me suporto...
Imagine eu refletido nos outros?
Um eu no outro?
Bizarro!!!
Aprenda a não se levar tanto a sério.
Você tem perdido tempo demais.
Ria de você.
Ria por você ser tão sem graça como você é.
Ria do seu humor tão pobre,
Zombe deste jeito manipulador e controlador que você tem.
Você não é Deus...apesar de pensar que é.
Ria da sua disciplina tola, seus trejeitos ridículos, sua ausência de cumplicidade com a vida.
Ria da sua miséria, do seu desajuste.
A sua gula obsessiva,
Seu caminhar desajeitado,
Seus versos sem rimas,
Suas piadas repetidas,
Sua roupa de mau gosto,
Ria, porque no fundo, apenas o riso exerce alguma função realmente fenomenológica digna de apreciação.

Apenas o riso é filosoficamente sério.

Quanto tempo

(I)
Quanto tempo faz que você não experimenta o toque de Deus,
Que você não se impressiona com a sua beleza e majestade,
Que suas orações parecem nada significar,
Que Deus parece se esquivar de você?
Que seus pecados não mais o afligem?
Que as realidades espirituais não são mais experimentadas em seu coração?
Que cânticos, hinos, leitura da palavra já não mais o surpreendem?
Que suas orações deixaram de ter algum valor para sua alma?

(II)
Quanto tempo faz que você não se impressiona com seu filho?
Que você não beija e abraça com ternura sua esposa?
Que não existe um beijo apaixonado entre vocês?
Que seu filho não te emociona?
Quanto tempo faz que você não tira um tempo para seus amigos?
Que seu coração não se alegra mais em coisas simples e espontâneas da vida?
Que você não ora por seu amigo?
Que você não visita alguém sem agenda e cronograma?

(III)
Quanto tempo faz que você vive por viver?
Sem expectativa do novo, do belo,
Sem a capacidade do assombro?
De se impressionar com o por do sol,
Com o silêncio da noite
Com a amizade espontânea
Com a vida em si mesma?

Pressa

Para onde você vai tão apressado?
Furando filas,
Aborrecendo outros,
Pisando no calcanhar de alguns
Para entrar no mesmo ônibus?
Você ainda não entendeu que todos estão com o bilhete nas mãos?
E que todos querem ir para o mesmo lugar?

Não atropele!
Esta fila reflete sua alma
Sua atitude de levar vantagem sempre
De querer furar filas,
De ser sempre o primeiro,
Mas ainda assim, você vai parar no mesmo lugar designado.
O ônibus não sai antes do horário
Todos aguardam os mesmos movimentos.
Não apresse o rio, ele corre sozinho.
Aprenda a ler a vida,
Veja como funcionam as estações,
O fluxo e refluxo das marés
O nascer e o por do sol..
Olhe para os lados,
Não precisa atropelar.
Ou então: atropele mesmo! Já que isto é questão de opção.
Mas saiba que isto não vai fazer você chegar na frente.
Você vai se assentar no seu lugar determinado.
Sua bagagem vai sair na ordem estabelecida.
Mas você ficou mais agitado,
Você irritou outros.

E eis você aqui,
Lado a lado com aqueles que você atropelou.
É... a vida é assim mesma.

Você correu,
Você se cansou,
Você se irritou,
E onde você chegou com tudo isto?

De nada valeu a valentia,
A impaciência,
A correria.
Não queiras ser sempre o primeiro em exigir, em lamentar,

“A paciência é uma planta amarga que produz frutos doces”

Poema do anonimato

Vejo pessoas passarem
E passo por tantas pessoas
De onde vêm, para onde vão?
Que histórias abrigam no peito?
Fazem amor? Fogem do amor?
Quantos enredos cinematográficos cada uma destas vidas poderia inspirar.
Conflitos mal resolvidos, dramas sem fim, lutos, perdas, paixões, alegrias...
Meu Deus!!! Como é rica e como é pobre a vida!
Qual será o sentido de cada uma destas narrativas.
Passam apressadas,
Algumas eufóricas,
Outras acabrunhadas, assustadas, acuadas.
Correndo do predador?
Fugindo da vida?
Para onde se refugiam quando a dor chega, se é que a dor algum dia saiu.
Algumas parecem animais acuados,
Encontram-se armadas,
Enojadas.
Buscam um grande amor?
Buscam sentido na vida?
Buscam a morte?
Na verdade seu mundo é um segredo,
Afinal, o coração do homem é um poço profundo,
Indecifrável.
Temos tantos mundos escondidos dentro de nosso próprio mundo.
Tantas ameaças, trincheiras, porteiras,
Tantas estradas, vilas, vielas.
Nem sei porque pegamos esta via, se nem mesmo estamos conscientes para onde estamos indo,
De quem estamos fugindo.
Nada, poeira cósmica, universo anônimo...
Meu nome é ninguém.

O insubstituível

La vai o insubstituível
Todas as coisas acontecem por sua iniciativa
Sem ele nada foi feito sem sua anuência e liderança.
Ele é imprescindível, indispensável.
Seus colegas de trabalho nada fazem sem ele
Sua familia depende completamente dele
A empresa não anda sem ele,
As organizações existem em torno dele.
Por isto sua agenda está sempre lotada
Muitas vezes já achou que era Deus,
Mas ultimamente ele está certo de sua onipotência.
O que o mundo pode fazer sem ele?

Que é isto que ouço? Não pode ser...
Isto é uma tragédia! Ele estava tão bem.

O insubstituível morreu!!!
Como as coisas vão andar sem ele?

A empresa continua caminhando sem ele
Sua familia sobreviveu sem ele
Sua esposa (dizem as más línguas), ta até mais feliz sem ele.
O dia nasceu sem pedir licença
O sol surgiu sem que o galo cantasse...
A primavera chegou sem sua presença,

Ninguém faliu, as coisas não deixaram de acontecer,
Apesar dele ser tão indispensável.

É, o cemitério está cheio de gente insubstituível.

Nosso ser misterioso

Pobre daquele que acredita na sua previsibilidade
Mais triste ainda é quem acredita na sua plausibilidade.
Acredite em mim: você não é confiável!
O ser humano carrega em si o artefato da contradição e do mistério.
Não compreende o outro porque não é capaz de compreender suas próprias contradições e angustias.
O ser humano é misterioso...
Cada um é um mistério e uma ilha de surpresas e causalidade
Não é capaz de ser coerente em seu próprio modo de agir
Faz o que detesta
É incapaz de se esquivar mesmo daquilo que sempre critica.
Sua história tem a ver com natureza e ambiente
E ele se submete às contradições de um e de outro
Ele é o seu próprio fantasma e mistério
E não consegue escrever seu próprio script.
Sua história não é previsível:
O infortúnio
A fortuna
E muitos outros acidentes e variáveis
O ajudam a ser o que ele não é
E não aquilo que deseja ser.
O herói pode amanhã ser vilão
O nefasto pode se tornar herói
O moralista esconde desejos
E sua neurose se torna a sua própria acusação
Quem há que possa discernir suas próprias faltas
Entender seu próprio coração
Tão enganoso e tinhoso.
O ganho de hoje é a perda de amanhã
A perda pode se tornar o ganho.
Portas fechadas podem abrir grandes portais
E portas abertas podem ser armadilhas
Aquilo que é a glória de hoje
Pode ser a vergonha de amanhã
O bandido vira mocinho
E o mocinho pode ser o verdadeiro vilão
Quantas surpresas teremos no desvendar da história
Quem revelara o mistério de seu próprio mistério?
Qual dentre os homens tem poder sobre a morte?
Quem conhece as sombras de seu próprio coração
E os meandros de sua impulsividade?
Somos ao mesmo tempo heróis e bandidos
Mocinhos e vilões
Anjos e demônios
Somos a soma de nossa própria incoerência
Somos o próprio mistério...

Natal sob diferentes prismas

É tudo uma questão de ponto de vista:
Para muitos, natal é a melhor época do ano,
Para outros, a data mais depressiva:
Aumentam os suicídios,
A solidão,
A saudade.
O que fazer quando nada pode ser feito?

Como percebe o natal aquele que não encontra motivos para celebrar?
Pobres que não podem trazer presentes aos filhos?
Crianças que vêem os outros carregados de souvenirs,
Com a massificante propaganda na TV?
Como percebe o natal os palácios repletos de convidados,
Com pessoas com um buraco negro na alma?
Com experiência de abandono e vazio?
Com presentes cada vez mais caros e com menos sentido?
Nem sempre as festas natalinas são boas:
No corpo daqueles que sofrem,
Naquele cujas emoções estão esfaceladas,
Na visão do pobre sem recursos,
E do rico sem alma?
Como se encontra os encarcerados nos leitos dos hospitais,
Os encarcerados na angústia da solidão e da culpa,
Na dor de quem perdeu o amado.
Meu Deus,
Será que um dia o natal deixará de ser tão ambíguo?
Vai cumprir o propósito para o qual foi feito?
Visitar a monotonia dos pastores,
Satisfazer o misticismo dos magos,
Inquietar os palácios com seus Herodes,
Questionar o universo vazio dos religiosos,
Dar sentido aos pobres,
Levar os ricos a depositarem seus presentes?
Quando o natal vai se plenificar em nós?
Nos ensinar que a história dos homens só faz sentido,
Quando invadido pela história de Deus?

Lágrimas

Nunca chorei a dor que realmente me tenha doído.
Já chorei angústias periféricas, dores marginais.
Já chorei a dor dos outros,
As dores de minha fantasia,
Dores imaginárias.
Nunca chorei a mim mesmo
A dor de minha dor
O sofrimento real.
Neguei prá não chorar,
Por isto a dor que me dói não é a dor,
Mas a ausência de minha dor.
Choro não ter razão para chorar.
A dor que me dói faz parte do meu repertorio de dores não doídas.
Pequei por não chorar,
Porque quando o fiz não era necessário,
Mas na necessidade abafei a dor.
Por ser sofrida a dor de quem sofre,
Recusei a dor em mim mesmo.
Rejeitei lágrimas, endureci-me.
Não tenho chorado a dor real,
A dor daqueles que precisam de alguém que chore por eles.
Nunca chorei a dor dos esquecidos,
Não me condoeu a solidão dos desprezados,
O desconforto do oprimido.
Nunca chorei a dor dos esquecidos,
Nunca chorei a dor de Deus,
E sequer chorei minhas dores.
Por isto minha dor dói tanto
E para meu grande espanto,
Não consigo chorá-la.

Fantasmas no silencio

Há fantasmas no silêncio

O silêncio é uma forma eloqüente de falar,
Porque o não falar também é uma forma de dizer.
É como o processo de decisão.
Não decisão também é uma decisão
A decisão de não decidir.
Por isto, esteja atento ao silencio.
Ele é sempre carregado de fantasmas.
Muitos falam muito para não dizer realmente o que precisa falar.
Isto é falatório.
Como o falante, que na sua timidez fala muito para acobertar sua forma de ser.
Isto é tagarelice.
Muitos falam e não dizem
Outros tanto, sem dizer, falam.
Precisamos aprender não a linguagem das palavras, mas sim as do pensamento.
O silêncio é carregado de fantasmas.
Alguns assustadores...
Dores não reveladas,
traumas inconscientes,
angústias não elaboradas,
culpas corrosivas.
Pior que a própria dor é a incapacidade de falar sobre ela.
Dizer já é processo de cura.
O silêncio pode ser a tentativa de se ocultar o cadáver,
De fazer de conta que ninguém morreu.
Mas a verdade grita nas praças,
Assim como brada nos recônditos de nossa alma.
Este falar silencioso pode abrigar raiva,
Dor não resolvida,
Medo de julgamento,
Sentimento de desprezo.
Não tendo ou não podendo falar, é melhor calar.
Mas como calar a dor que grita?
Como simular que a dor não é dor?
Há fantasmas no silêncio,
E há tantos gritos silenciosos.
Eles se movem nas madrugadas de nossa existência,
Se movimentam na nossa agitada agenda que não tenta ouvir a voz interior.
Neste silencioso movimento
Muita coisa é dita sem dizer.
Como discernir a linguagem do silêncio
Se mesmo quem articula a voz, no silêncio, a compreende bem?
Como discernir fantasmas do silêncio,
Se os fantasmas sequer existem?