quinta-feira, 1 de março de 2007

O valor do nome

Garoto esperto, não mais que cinco anos.
Filho do caseiro da fazenda,
Sadio, arteiro, trabalhador, prestativo.
Cheguei pertinho dele e lhe abracei:
“Que saudade de você Mateus!”
Ele me olhou assustado,
Com seu jeito sereno e firme:
“O senhor não me conhece? Meu nome é Gabriel”.

Samuel Vieira
Fevereiro 2007

Maricota

Na verdade, simplesmente, Cocota.
Embora não tivesse nada a ver com as cocotinhas modernas.
Aliás, este adjetivo era sequer conhecido naqueles tempos.

De fato, ela era a anti-cocota.
Mulher da roça, jeito simples, hábitos modestos.
Vida repleta de concretude e realidade.
Comia do que colhia da terra, vida espartana.
Não reclamava, não maldizia a vida.
Não tinha tempo para pensar em si com 7 bocas para alimentar.
Seu marido também vivia no mesmo ritmo,
Acordar cedo, carpir, plantar.
Calado, reflexivo,
Vocabulário curto, jornada de trabalho longa.
Sua simplicidade e timidez justificavam seu silêncio.
Seu silêncio justificava sua timidez.
Apesar disto, cocota tinha seus caprichos,
Vaidade e desejos se escondem na simplicidade da vida.
Gente pobre também tem fantasias e cria seus desejos.
Nada demais...besteirinhas de mulher.
Coisa de gente pobre, vaidade feminina.
“Quem não se ajeita por si se enjeita”

Apesar do homem mandar, eram as mulheres quem ditavam as regras.
Mesmo assim não conseguia convencer o marido de certos “luxos”,
De pequenos confortos.
Coisas simples...bobagens de mulher...

Ao receber a visita rara de um amigo do marido
Não teve duvidas em pedir socorro:
“Ele não me dá nenhum ‘confoito’, vê se explica prá ele”.
A voz era de certa súplica, desejo de ser ouvida.
O marido pigarreou, sentiu-se ameaçado, se encolheu todo,
Como um animal acuado,
Ao cruzar com olhar da mulher e do marido,
Com ressentimento e rancor na voz,
Justificando-se respondeu:
“confoito é arroz com abroibra”

É...para quem se endureceu prá viver,
E se calejou na vida.
Para quem luta para a sobrevivência.
Parece que não existe nada além de comida.
Conforto é privilégio de ricos,
Não desejo de mulher...
Samuel Vieira
Fevereiro 2007

Doenças do amor

Sempre ouvi falar que o amor é o melhor método terapêutico.
Que nada é tão restaurador que amar e ser amado.
No entanto, me confundo com a confusão do amor,
E as doenças que ele traz em si.

Existem aqueles que de tanto amar
Deixam de amar a própria vida.
Tomados por uma ardente paixão,
Se corrompem, se vendem, se traem.

Existem aqueles que de tanto amar,
Confundem sua vida com a do outro
E a dor e neurose do outro,
Tornam-se a angustia do seu coração.
Cria-se uma simbiose incestuosa,
Incapazes de distinguir sujeito/objeto.

Existem aqueles que dizem matar por amor.
Quando o amor deve ser o agente vital da vida.
Violentam, ferem, abusam, destroem.
E se tornam vorazes com a pessoa amada
Que tipo de amor é capaz de destruir quem se ama?

Na verdade, somos capazes de adoecer as coisas mais sagradas.
Adoecemos nossa fé, tornando-a fim em si mesma.
Adoecemos nosso corpo, vendendo-o, privando-o.
Adoecemos nossa saúde, ferindo-nos, matando-nos.
Adoecemos nossas emoções com escolhas tolas e absurdas.

Mas o grande lamento em todas as coisas,
É que o amor seja vítima de tanto desamor.

Samuel Vieira
Fevereiro 2007

25 de Março

Espaço complexo de relações, teias e tramas
No burburinho de gente sofrida, buscando um lugar ao sol.
Soluções inacabadas...
Negros, índios, mestiços, imigrantes, nordestinos, paulistanos.
Todos envolvidos numa relação complexa e enigmática.
As bancas agem como termômetro:
Raaaaappaaa!!!
Os policiais entram em ação,
Como lobos ao redor do aprisco.
Teias enigmáticas de relações conflitivas de quem busca escapar
Perder seus produtos que cabem numa sacola.
Relação complexa para quem não pode deixar solto,
Mas não sabe o que fazer com a tarefa que lhe foi dada.
Já que também não quer prender...

As bancas são montadas e desmontadas num passe de mágica.
Copperfield não faria melhor.
Das ruas somem vendedores, camelôs, Cds Piratas.
E as ruas fervilham em busca de ritmo.
Existe certa musicalidade tocada numa orquestra de enigmas.
São Paulo não pode parar.

Os transeuntes e as cidades são os mesmos personagens.
A alma da cidade é a alma do povo que anda em suas ruas.
A cidade tem vida.
Relação ambivalente que abriga e acolhe.
A freada brusca, a aceleração mais forte.
Não é o carro andando, é o homem motor.

Vende-se de tudo: bexigas, carrinhos, massageador, envelopes, canetar, dvs, cds, perfumes.
Toda sorte de quinquilharias baratas que valem apenas o que valem
Ou talvez menos que se paga.

25 de Março: Poluída, agredida, entendida, decifrada, enigmática.
De pobres vendilhões, mercadores, falsificadores,
De policia de faz de conta,
Relações complexas e ambíguas,
De poderes escondidos detrás da muvuca da cidade.
De grandes ganhos detrás de pequenos mercadores.
De máfias não reveladas.

25 de Março:
quem te vê não sabe os verdadeiros agentes.
De gente que sustenta o status quo,
Que mantém relações de dependência,
Que faz existir a complexidade de tuas esquinas
De compradores e marqueteiros,
Razão de sua existência:
Pálida, pobre, suja, agitada, atraente, complexa.

25 de Março:
Miniatura de Brasil.

Samuel Vieira
Fevereiro 2007