Jean Paul Sartre, um dos ícones do existencialismo, fez muitas afirmações complexas e perigosas, mas uma delas me fascinou: “Se não nos olham, secamos”.
Recentemente um texto extraído da tese de mestrado defendida pelo psicólogo social Fernando Braga da Costa da USP, cujo título é “invisibilidade pública” chamou a atenção da mídia. Para ter a mesma perspectiva do pobre, ele fingiu ser gari por um mês. Durante este tempo varreu as ruas da USP e comprovou que, em geral, as pessoas enxergam apenas a função social do outro. Quem não está bem posicionado hierarquicamente, torna-se mera sombra social.
Ele constatou que para a maioria, os trabalhadores braçais são “seres invisíveis, sem nome”. A percepção humana é totalmente prejudicada e condicionada à divisão social do trabalho, onde enxerga-se somente a função e não a pessoa.
Costa trabalhava apenas meio período como gari e não recebia salário, mas garante que teve uma grande lição de vida: “Descobri que um simples bom dia, que nunca recebi como gari, pode significar um sopro de vida, um sinal da própria existência”. O pesquisador sentiu na pele o que é ser tratado como um objeto e não como ser humano.
Ele descreve que professores que o abraçavam nos corredores da USP agora passavam por ele e não o reconheciam por causa do uniforme. Às vezes, esbarravam nele sem ao menos pedir desculpas, como se tivessem encostado em um poste ou orelhão.
No primeiro dia de trabalho, na hora do café, colocaram uma garrafa térmica sobre uma plataforma de concreto, só que não havia caneca. Houve então um clima estranho no ar, já que ele era um sujeito vindo de outra classe, varrendo a rua com eles. Um deles então, foi ao latão de lixo, pegou duas latinhas de refrigerante, cortou-as pela metade e serviu o café. E como estavam num grupo grande, ele esperou que se servissem primeiro. No momento em que empunhou a caneca improvisada, parece que todo mundo parou para assistir à cena, como se perguntasse: “Será que ele vai se sujeitar a beber nessa caneca?” Tão logo ele bebeu,
a ansiedade parece ter evaporado, e eles passaram a conversar, a contar piada e brincar.
Certa vez, ele entrou no Instituto de Psicologia para pegar dinheiro, passou pelo andar térreo, subiu a escada, foi ao segundo andar, à biblioteca, em frente ao centro acadêmico onde tinha muita gente conhecida, no entanto, fez todo esse trajeto sem que alguém, em absoluto o tivesse notado.
A solidão, o anonimato e a despersonalização, são características da sociedade moderna. A forte ênfase no individualismo nos faz perder a dimensão social que culturas primitivas e pessoas de zona rural sempre tiveram. Esta é uma das maiores causas de angústia do homem moderno. A dificuldade em se conectar, dialogar, reconhecer e estar com o outro. Lutar para romper com esta perigosa zona que vivemos, é um dos grandes desafios atuais.
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