sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Programa ou Presença?


Wayne Cordeiro é pastor no Hawaí. Apesar de sua igreja não ter sede própria eles fazem quatro cultos dominicais com 2.500 pessoas presentes em cada culto, num auditório alugado.

Um dia tiveram o problema com o espaço e resolveram tiveram que fazer uma programação ao ar livre. Alugaram tendas, montaram sistemas de som, orando para que não chovesse naquele dia. No entanto, choveu todo o sábado, e as coisas começaram a sair muito errado com perigo de choques, aparelhagem coberta, e as pessoas tendo dificuldade em participar do culto. Resolveram orar com mais intensidade para que o Senhor tivesse misericórdia deles e mandasse um domingo ensolarado. No outro dia, o tempo não melhorou. Triste e irritado com a situação, ele foi para o local designado dizendo para Deus. “Por favor, Senhor, o que estou pedindo não é algo difícil. Não deixe que a chuva caia no horário planejado pois isto vai arruinar todo programa”. Apesar de suas orações, a chuva continuou a cair. Ele ficou muito frustrado no seu coração, afinal, gastaram muito dinheiro e o efeito foi praticamente nulo.

Na sua oração da noite, estava desencorajado e perguntou a Deus porque ele não havia interrompido a chuva, apesar do clamor de sua liderança, e Deus lhe disse o seguinte: “Wayne, em todas as suas orações você pediu pelo programa, mas em nenhum momento orou pela minha presença. Se não tivesse chuva, e o programa fosse executado, você não estaria triste, mesmo que minha presença não estivesse ali. Você estava preocupado com o programa e não com a minha presença”.

Depois de ter ouvido esta palavra, tenho pensado muito sobre este assunto. Minha sensação é que esta é a preocupação que normalmente ocupa meu coração. Quero saber se as coisas estão andando bem, se o culto está fluindo, se as músicas estão sendo bem apresentadas, se o som não apresenta nenhum ruído, se a recepção está acontecendo. Poucas vezes estou realmente preocupado com a manifestação da glória e da presença de Deus no culto que lhe prestamos. Minha preocupação não é com Deus, mas com as pessoas.
Alguns anos atrás um colega meu me perguntou algo que me causou susto. “Quanto tempo faz que você vai pregar na sua igreja, sem estar preocupado se as coisas estão saindo bem? Com o funcionamento e as atividades cúlticas? Obviamente me preocupo muito com a excelência da liturgia, dos cânticos e da palavra que será pregada, mas quanta preocupação tenho com a presença de Deus no meio do povo que se chama pelo seu nome?

Como lideres queremos programas bem organizados, esteticamente irretocáveis, culturalmente relevantes, mas estamos mais interessados em impressionar o auditório que a Deus. E se tudo desse errado, mas Deus estiver presente? E se tudo der certo, mas Deus não está no nosso meio?


Isaque perguntou a seu Pai Abraão: “Aqui está a lenha e o fogo, mas onde está o cordeiro?”. Sua preocupação de menino, fé pura e autentica era com o fato de que não havia cordeiro para o sacrifício, embora os demais elementos componentes do altar e do holocausto ali estivessem. Mas sacrifício sem o cordeiro não tem valor. Pode existir lenha, e até mesmo fogo – mas sem o Cordeiro, é ato se torna irrelevante e inútil.

A Agenda Divina


Paulo afirma que o nascimento de Jesus fazia parte de uma agenda divina: “Vindo, porém, a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher” (Gl 4.4). O termo “plenitude dos tempos” é bem específico. É o “kairós” divino, tempo intencional, tempo de Deus; que se contrapõe ao “kronos”, tempo cotidiano e rotineiro, horas, dias, anos.
Quando os circuitos da eternidade colidem com o calendário, quando o kairós (tempo de Deus), se cumprem, a história e o tempo cronológicos são substancialmente alterados. Cumpre-se a agenda divina. Foi num tempo como este que Deus enviou seu Filho. Foi assim que o natal aconteceu.
Por isto, Natal deve causar espanto e gratidão.
Nada do que acontece é desproposital, mero fruto da coincidência, do caos, do acaso. Em todo sistema que possui fluidez e dinâmica, neste complexo que é a vida, existe intencionalidade e propósito. Não é o acaso que nos protege enquanto andamos distraídos, mas a soberana ação de um Deus amoroso e Todo-Poderoso.
Os movimentos de Deus repercutem na história, suas mãos dirigem o destino. Para alguns isto pode ser assustador... Para quem sente medo ou desconfia de Deus tal idéia pode ser e angustiante. Cazuza, num desabafo existencial, afirmou que era “cobaia de Deus”. Esta declaração demonstra que não lhe faltou fé, mas sua fé era carregada de ira: Ele é meu inimigo e por isto conduz a história na direção que ele não concordava. Contudo, para aqueles que estão sob as asas do Onipotente, se sentem protegidos e amados por Deus, a afirmação de sua soberania é motivo de muita alegria, pois debaixo desta direção ele pode descansar.
Certamente a agenda de Deus é misteriosa. Isaias, o profeta afirma: “Verdadeiramente, tu és Deus misterioso!” (Is 45.15). Não se equaciona Deus, nem pode ser ele limitado por uma teologia que supõe deter todo o conhecimento sobre sua natureza. Os amigos de Jó tentaram dissecar Deus com uma teologia clássica e equivocaram.
Paulo afirma que “Os dons e a vocação de Deus são irrevogáveis” (Rm 11.29). Sua agenda está se cumprindo. Seu kairós se move entre nós no atribulado e ambíguo movimento cronológico. Sua agenda se cumprirá. Tudo está sob controle!

Rev. Samuel Vieira


quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Que é isso?


Esta é uma pergunta corriqueira que fazemos em forma de brincadeira com amigos, ou reação irritada quando nos deparamos com uma situação anômala que nos pega  surpresos e despreparados. Diante destas situações, podemos perguntar: “Que é isso?”

No entanto, em Jr 7.9 esta pergunta é feita por Deus através do profeta. O que levou Deus esta indagação e o surpreendeu tanto?

Furtais e matais, cometeis adultério e jurais falsamente, queimais incenso a Baal e andais após outros deuses que não conheceis e depois vindes, e vos ponde diante de mim nesta casa que se chama pelo meu nome, e dizeis: Estamos salvos. Sim, só para continuardes a praticar estas abominações”.

Deus está surpreso!

Com a reação de um povo cuja espiritualidade é vazia e dissociada da vida e da ética. As pessoas agiam de forma pecaminosa e depois se apoiavam numa falsa segurança: “Estamos salvos!” Diante disto, Deus indaga: “Que é isso?”

O texto nos dá a impressão de que, para o povo, esta vida contraditória de pecado e espiritualidade de aparência, parecia normal, e Deus intervém para denunciar a fragilidade e inconsistência deste estilo de vida.
Em Malaquias, Deus rejeita a oferta do povo por estar contaminada pelo pecado. Afirma ainda que não ouviria suas orações por estarem manchadas de iniqüidade; em Amós, Deus pede ao povo para não mais continuar cantando louvores. “Afasta de mim o estrépito de teus cantos e a melodia de tuas liras”. Estrépito é barulho, som agressivo. Aos ouvidos de Deus, era assim que chegava os louvores mesclados de impiedade.

A Bíblia diz: “Não vos enganeis, de Deus não se zomba. Aquilo que o homem semear, isto também ceifará”. Culto dissociado da vida afronta ao Deus que servimos, e o leva a nos indagar: “Que é isso?”

Rev. Samuel Vieira

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Espanto!


Um texto de Natal parece destoar de toda festividade que o evento sugere. “Foram tomados de grande temor!” (Lc 2.9). Ele relata o impacto do anúncio dos anjos aos pastores, na região de Belém.

Imagine a cena.

Pastores de rebanhos vivem, pela natureza de seus ofícios, uma vida monótona e rotineira. Todos os dias tirar as ovelhas do aprisco e levá-las para pastar e beber água e à noite, trazê-las segura de volta para o curral. Durante o dia, solidão e calor: raramente surge alguém para conversar; à noite, frio e perigo. Hora propícia para a ação dos predadores.
Os imprevistos são eventos indesejados, porque na sua maioria são negativos: Uma ovelha machucada, algum lobo ou leão rondando o rebanho... alerta! E a vida segue...

Mas nesta noite, surge algo inusitado: “Um anjo do Senhor desceu aonde eles estavam, e a glória do Senhor brilhou ao redor deles; e ficaram tomados de grande temor” (Lc 2.9).

Através da Bíblia, encontros com Deus são sempre acompanhados de temor. Isaias: “Ai de mim, estou perdido!” (Is 6.5); Gideão: “Ai de mim, Senhor Deus! Pois vi o Anjo do Senhor face a face” (Jz 6.22); Moisés no Monte Sinai: “Sinto-me aterrado e trêmulo! (Hb 12.21).

Infelizmente nos acostumamos ao Sagrado e não somos tomados pela noção de grandeza. Perdemos a capacidade de assombro, que estava presente na Igreja Primitiva: “Em cada alma havia espanto” (At 2.43). Ignoramos ou perdemos a percepção deste “algo espiritual”. Perdemos o temor e a reverência, e o sacral se torna banal.

Jacó também não tinha percepção da presença de Deus. Para ele, os eventos eram corriqueiros e comuns, até que um dia percebeu grandeza e sobrenaturalidade na sua sua história. Deus deixou de ser abstrato e se tornou concreto. “Na verdade, o Senhor está neste lugar, e eu não o sabia!” (Gn 28.16).

Que neste Natal Deus restaure em nós a capacidade de Assombro! Esta maravilhosa graça de nos espantar com a realidade de um Deus presente, que se tornou humano e habitou entre nós através de seu filho Jesus.


Rev Samuel Vieira

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Não se acostume com o mal


É muito perigoso se acostumar com o mal, com o pecado, a morte e o diabo, mas é muito mais fácil do que imaginamos.

Acostumamo-nos com a injustiça, a corrupção, a mentira, a ira, o mau humor, a grosseria, palavrões, pornografia, sujeira e promiscuidade, deixamos o mal e o pecado se tornarem banais e normais, aceitamos a indiferença. Pessoas em ambientes de guerra e violência tornam-se apáticas em relação à miséria e mesmo à morte.

Um sociólogo em São Paulo, na sua tese de doutorado na USP, “O homem invisível”, resolveu estudar o dia a dia dos mendigos, convivendo meses nas ruas, becos e vielas de São Paulo, não tendo dinheiro nem identidade. Passado o choque inicial, diz ele, passou a se acostumar com o mau cheiro, a violência e o descaso.
O profeta Jeremias afirma: “Pode, acaso, o etíope mudar a sua pele, ou o leopardo as suas manchas? Então, podereis fazer o bem estando acostumados a fazer o mal?” Deus adverte seu povo sobre o perigo de banalizar a impiedade e a perversão. Um ato maligno, praticado reiteradas vezes, torna-se corriqueiro e eventualmente parte inerente daquilo que somos, do caráter. O etíope, cuja cor é negra, assim como o caucasiano, com sua pele branca, o leopardo cheio de manchas, não podem mudar sua essência. Assim também, pessoas que se acostumam a fazer o mal, pela continua repetição do ato, se tornam deformadas e passam a fazer do mal, a sua essência.
Na infância tive um amigo que mentia demais. Com o tempo, ninguém mais acreditava nele, e todas as suas declarações eram recebidas com suspeita. Apesar de sermos crianças, um dia alguém afirmou que o Zé Luis não falava mentiras, ele era a mentira.

Muitas pessoas não cometem delitos, são a farsa; não mentem, são a mentira; não roubam, são ladrões, não praticam imoralidade, são imorais. Não é questão de fazer algo errado, mas se tornam errado. Esta é a tendência da natureza pecaminosa. Não somos pecadores porque pecamos, mas pecamos porque somos pecadores. Assim como o leopardo não pode mudar a mancha de sua pele, assim também, pessoas acostumadas a fazer o mal, tornam-se impotentes para fazer o bem. O mal torna-se parte da natureza – Que tragédia!


Talvez seja isto que Jesus estava querendo nos ensinar ao falar de novo nascimento. O termo originalmente foi traduzido por “regeneração”, que tanto em grego quanto em português, traz na raiz a idéia do gene (genética). Só o Espírito Santo pode fazer alguém acostumado a fazer o mal, a voltar ao seu senso, e fazer o bem. 

Como você reage ao sofrimento?



O sofrimento pode enlouquecer.

Pessoas expostas a situações de grande stress e dores intensas podem perder o equilíbrio mental. O sofrimento pode levar o homem a xingar, exasperar, blasfemar, maldizer a Deus e a vida. O conhecido humorista Millor Fernandes, filho de um espanhol e uma descendente de italianos, perdeu os pais quando tinha 10 anos, ficando ele e os 4 irmãos órfãos vivendo com parentes. Diante da solidão e do luto, anotou na sua autobiografia: “Sozinho no mundo, tive a sensação da injustiça da vida e conclui que Deus, em absoluto, não existia”.

No livro de Jó encontramos pelo menos três modelos de pessoas diante de Deus: Sua mulher, seus amigos e o próprio Jó. Todos interpretando Deus de um jeito ou de outro.

Os amigos de Jó querem teologizar.
Eles fazem a “hermenêutica de Deus” e com isto passam também a fazer teologia com a dor do outro, redundando em aberrações teológicas e trazendo sobre eles juízo (Jó 42.7-9). Suas orações deixam de ter valor aos olhos de Deus. A falsa teologia pode acrescentar dor à dor...

 A mulher de Jó blasfema e apostata da fé.
A dor lhe descompensou. Ela entra numa linha de ceticismo e cinismo e sugere a Jó que amaldiçoe a Deus e morra, afinal de contas, que benefícios temos em sermos fieis? Que sugestão maligna...

O terceiro personagem é Jó. O que ele faz diante da dor? Ele a transforma em adoração.
Quando o caos transtornou sua história e toda sua segurança foi abalada e seu universo simbólico desorganizado: bens, amigos, reputação, família, saúde ele ainda conseguiu olhar para Deus e glorificá-lo. 

Ele transformou sua dor em ato de louvor:
Então, Jó se levantou, rasgou o seu manto, rapou a cabeça e
lançou-se em terra e adorou”(Jó 1.20).

Ele correu para o único lugar do mundo onde algum sentido poderia ser encontrado – em Deus.
E disse: Nú sai do centre de minha mae, e nu voltarei;
o Senhor o deu, o Senhor o tomou, bendito seja o nome do Senhor” (Jó 1.21)

E você, como reage à dor? Quando as coisas não vão bem na sua vida, quando surgem os problemas. Você teologiza, você abandona a fé e amaldiçoa a Deus ou você transforma sua dor em adoração?