Um dos mais infames personagens da literatura brasileira é “Macunaíma, o herói sem nenhum caráter” de Mário de Andrade (1928), que à margem do Uraricoera, em plena floresta amazônica, desde a primeira infância, revelava-se como um sujeito “preguiçoso” e contraditório. No prefácio não publicado, Andrade afirma que em Macunaíma, desejava descobrir a identidade nacional dos brasileiros. Afirma que o brasileiro não tem caráter, e justifica que com a palavra caráter não determinava apenas uma realidade moral, mas a entidade psíquica permanente, se manifestando nos costumes e na ação exterior do bem e do mal. “O brasileiro não tem caráter porque não possui nem civilização própria nem consciência tradicional”.
Jorge Luis Borges, escritor argentino, afirmou que as pessoas sentem a necessidade de épica, por isto Hollywood se tornou tão popular. Todos os povos constroem seus heróis, que se tornam ícones por gerações e apontam para referências utópicas. Quando uma cultura constrói esta imagem em cima de anti-heróis, corre sério risco de desintegração moral. A grande questão é entender quem tem sido posto como herói.
Don Richardson, escritor holandês, narra sua experiência em Papua Nova Guiné, com os “Sawis”. Este povo cultuava o engano, praticava o canibalismo e tinha a crença que os homens brancos eram divindades. Richardson demonstra como foi contracultural falar do cristianismo para um povo que via Judas como herói, por ter traído Jesus. Entre os sawis, a traição era mais que uma filosofia de vida, Constituindo-se num "ideal concebido e aprimorado pelas gerações passadas". As pessoas cultivavam uma amizade por um longo tempo e depois assassinavam a vítima, e isto era considerado a mais elevada forma de traição. Seus heróis não eram os guerreiros, antes, aqueles que exibiam os maiores requintes na arte da traição. O traidor Judas era o símbolo de masculinidade e o beijo da traição era a expressão suprema da esperteza.
Quais são os heróis brasileiros?
No “Big Brother”, conhecido reality show brasileiro, o apresentador Pedro Bial se refere aos participantes como “nossos heróis”. É lamentável que aqueles jovens, com corpos sarados e moral duvidosa sejam tratados desta forma. Não possuem nenhum talento ou criatividade, nada fizeram pela nação ou por sua comunidade, não possuem qualquer ato de bravura, coragem ou integridade, mas são alçados ao posto de heróis. Será que Mário de Andrade estava certo ao colocar Macunaíma, o herói sem caráter, como ícone brasileiro?
Ai da nação que constrói seu ideário heróico em frágeis ícones éticos. Paulo Maluf continua sendo deputado federal, mesmo estando na lista dos bandidos procurados pela Interpol por lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Mesmo com imagens de Jaqueline Roriz recebendo dinheiro de corrupção, seus colegas votaram contra a cassação de seu mandato. Se isto não é quebra de decoro parlamentar, vamos ter que reinventar a ética.
Precisamos de verdadeiros heróis, marcados pela simplicidade, lealdade, caráter e honradez. Chega de “macunaímas”. Ou será que sempre precisaremos de heróis sem caráter para aprofundar ainda mais nossa dor?
Jornal O Contexto
26 de Agosto 2011
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