Um dos sentimentos comuns no ser humano é o de ser esquecido de Deus. Existem vários textos no livro dos Salmos, repleto de exclamações e lamentos neste sentido: “Por que te esqueceste de mim? Até clamarei e não me ouvirás? O teu Deus, onde está? Por que não me respondes as orações?” Há uma grande quantidade de pessoas em diferentes situações fazendo este desabafo diante de Deus, sem sequer ter certeza de que Deus as ouve.
Ao lermos as últimas parábolas de Jesus no Evangelho de Mateus, observamos assustados e estarrecidos que o próprio Jesus fala deste tema. A parábola das dez virgens, descreve um noivo que chega tão tarde que até as noivas estavam dormindo: “E, tardando o noivo, foram todas tomadas de sono e adormeceram” (Mt 25.5). Um fazendeiro faz uma longa viagem, e deixa os empregados cuidando de sua lavoura, e volta, “depois de muito tempo, para ajustar as contas com eles” (Mt 25.19). Um empresário deixou a empresa na mão dos funcionários, e as coisas pareciam tão abandonadas que eles acharam que eram donos e começaram a usar os recursos de forma equivocada (Mt 24.45-51). Todas estas narrativas contadas por Jesus, ilustram situações em que as pessoas tem que lidar com este Deus que “partiu e desapareceu”, e parece não ter deixado orientação e direção.
“Na verdade, as histórias de Jesus anteciparam a questão central da era atual: ´onde está Deus agora? ´ A resposta de hoje, de pessoas como Nietzsche, Freud, Marx, Camus e Beckett é que o Senhor das terras nos abandonou” (Yancey).
Na parábola das ovelhas e bodes, somos surpreendidos mais uma vez. Jesus fala do Deus que desaparece, só retornando para o dia do acerto de contas. Ele novamente se refere a este período intermediário, quando Deus parece ausente. No entanto, na visão de Jesus, Deus não estava oculto, mas assumiu o disfarce mais imprevisível e chocante na pele daqueles que sofrem e são desprezados.
“Quanto te vimos com fome, ou com sede, ou estrangeiro, ou nu, ou enfermo, ou preso, e não te servimos? E Jesus nos surpreende ao dizer: “Na verdade, todas as vezes que o deixastes de fazer a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer”. Com isto aprendemos que “se não podemos detectar a presença de Deus no mundo, pode ser que o tenhamos procurado nos lugares errados” (Yancey).
Boa parte das indagações filosóficas e teológicas seriam dissipadas, se, ao invés de fazermos um retorno ao nosso interior, na introspecção mórbida ou depressão egóica, fizéssemos um movimento para fora, em direção ao outro, ao irmão, e à dor daquele que sofre. Excesso de auto análise, de reflexão auto centrada e vitimismo, adoece ainda mais, porque entra-se em contacto com o cinismo, incredulidade e ceticismo, e o ciclo do desespero silencioso da alma.
Certamente não encontraremos Deus dentro do coração vazio e sem esperança, mas facilmente enxergaríamos este “Deus desaparecido”, na face oculta do que sofre, no amor e serviço ao ser humano, que foi atropelado pelas circunstâncias adversas da vida. Ali contemplaremos, assustados, o rosto deste Deus, que se oculta no meio desta caótica situação de dor e angústia humana.